São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 2005

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COMIDA

Mercado de foie gras esquenta com volta de marca francesa; saiba a diferença entre a versão de pato e a de ganso

Quem paga pelo pato?

CRISTIANE LEONEL
DA REDAÇÃO

Num jantar realizado na última segunda-feira no restaurante Tarsila, em São Paulo, foi relançada no mercado nacional a marca francesa de foie gras Rougier. O evento marcou a volta da importação do produto fino ao país. Agora, porém, a Rougier terá de enfrentar um mercado mais competitivo -ao mesmo passo da gastronomia brasileira, a produção nacional do fígado de pato se expandiu, principalmente nos últimos três anos, tempo que a marca francesa esteve longe dos pratos nacionais.
O mercado do produto esquenta em meio ao avanço, principalmente na última década, de uma gastronomia mais sofisticada em São Paulo. O foie gras tem sua nobreza originada do processo de produção, delicado e lento. Leva-se cerca de 15 semanas para extrair o fígado de um pato (ou ganso), que nem sempre é aproveitado, dependendo do tamanho.
Entre os principais motivos que levaram ao aumento do consumo de foie gras, está o fortalecimento da produção nacional, como explica o chef Elizeu Pereira dos Santos, do restaurante francês Le Coq Hardy: "O aparecimento do produto nacional foi muito bom. Veja, por exemplo, o caviar, que sumiu dos restaurantes porque não dá para cobrar mais de R$ 200 por um prato". O caviar vendido no Brasil é importado -uma lata com 125 g de caviar da marca russa Cevruga, vendida sob encomenda no empório Santa Maria, custa cerca de R$ 3.600.
Considerado um especialista na preparação do foie gras, o chef francês do La Brasserie, Erick Jacquin, acredita que o consumo do prato no Brasil se consolidou porque a carne combina com os ingredientes encontrados por aqui. "O fígado vai muito bem com frutas como manga e melão. É uma fusão perfeita, porque o foie deve ser preparado da maneira mais simples e delicada possível."

Foie gras em disputa
A representante da Rougier no Brasil, Graciela Gutierrez, explica que a marca comercializará dois produtos: o bloc de foie gras de pato e de ganso com e sem trufas (pedaços de diversos fígados em conserva) e o foie inteiro congelado pelo método de "flash frozen" (o fígado de pato é congelado rapidamente, logo após a extração). "O método faz com que o produto, ao ser descongelado, fique fresco e não tenha cristais de gelo", diz Gutierrez.
Sobre a competição com a produção nacional, Gutierrez diz que a Rougier se diferencia pela tradição. "O Brasil ainda é iniciante na gastronomia", afirma a representante da marca.
Inicialmente os produtos serão vendidos em empórios chiques paulistanos, como o Santa Luzia e a Casa Santa Maria, mas a intenção da Rougier, segundo Gutierrez, é chegar aos supermercados. A importadora ainda está em fase de negociações.
Erick Jacquin compra o ingrediente do produtor Alexandre Agrivert, de Campinas, no interior de São Paulo. O chef considera o fígado produzido no Brasil quase tão bom quanto o importado. Além disso, é mais barato. "A Rougier era uma das únicas opções que tínhamos, mas a produção cresceu muito no Brasil de uns anos pra cá. Se ela não chegar com um preço competitivo, vai ficar difícil se manter por aqui", complementa.
Jacquin ressalta, no entanto, o lado positivo da comercialização da Rougier para os clientes. "O bom é que eles fazem o produto enlatado, em conserva, o que poderá ser vendido até em prateleira de supermercado, algo que não existe no Brasil atualmente."
Para a chef carioca Flávia Quaresma, a volta da marca francesa também só será interessante se os consumidores em geral, não só os restaurantes, puderem ter acesso ao produto. "Seria bom se eles oferecessem o produto para o público, porque competir com o que a gente tem aqui vai ser complicado", diz a chef-proprietária do restaurante francês Carême, no Rio de Janeiro.
"O foie gras francês é ótimo, e o daqui considero bom. Mas acredito que o importado deve estar custando mais do que o dobro", diz o chef do Le Coq Hardy.
E ele tem razão. Enquanto um quilo do foie gras nacional de pato sai por volta de R$ 170, uma lata com 310 g de bloc de fígado de ganso da Rougier sai por R$ 377,30 na Casa Santa Luzia, onde já é vendido.
Outra produtora de foie gras no Brasil é a Villa Germania, que fica em Indaial (SC). A produção semanal da Villa, que também vende carnes de marreco e coelho, está por volta dos 400 kg semanais de foie gras, segundo o diretor-administrativo da empresa, Marcondes Aurélio Moser. "A única diferença em relação ao importado é que é feito por mãos francesas porque a gente importou a técnicas deles", diz Moser.
Tanto na Villa Germania quanto na Agrivert, o pato utilizado para extração do foie gras é o resultado do cruzamento da raça Pekin com a Barbárie, o chamado Mulard. Segundo Moser, a raça é a mesma utilizada na França, onde anos atrás só se utilizava o fígado do ganso.

Pato à frente do ganso
Atualmente, tanto no Brasil quanto na Europa, prefere-se utilizar o pato. "É um animal muito mais dócil e seu ciclo de reprodução é mais rápido", explica Marcondes. Quanto à diferença da carne do foie gras de ganso e o de pato, Alain Poletto, chef do restaurante paulistano La Taverna, afirma que o do pato tem a gordura mais concentrada, enquanto a do ganso é mais suave.
"Embora o fígado do ganso seja maior, o pato tem uma vantagem: podem ser utilizadas outras partes, além do fígado, para fazer excelentes pratos, como confit e magret", conta o chef.


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