São Paulo, sábado, 28 de abril de 2007

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Diários inéditos levados a leilão revelam mundo caótico de Bacon

Acervo inclui material raro, como quadros, cartas íntimas, diários e fotografias

ARIFA AKBAR
DO "INDEPENDENT"

A foto em preto-e-branco, desbotada, mostra o estúdio de um artista, repleto de quinquilharias relacionadas à pintura, recordações pessoais e cartas belicosas de amigos e proprietários de galerias. O detrito de um mundo boêmio.
Logo além do alcance da câmera, no estúdio de Francis Bacon, no número 7 de Reece Mews, em Londres, existia uma intrigante pintura a óleo, o único trabalho de arte a adornar as paredes de seu local de trabalho por mais de duas décadas.
O quadro representava uma exceção à regra de Bacon: nunca decorar seu estúdio com peças de arte. A presença da obra talvez sirva como testemunho da paixão duradoura do pintor por um antigo amante e possivelmente autor do quadro.
Datada de 1957, a obra foi vinculada ao antigo parceiro de Bacon, Peter Lacy, com quem o pintor manteve um relacionamento muito tempestuoso.
Tanto a foto quanto o retrato estão entre os 45 itens que foram a leilão terça-feira à noite na Ewbank Fine Art Auctioneers, em Surrey. Cada item oferece um vislumbre sobre o mundo interior caótico e volátil do artista e sobre seus relacionamentos muitas vezes tempestuosos.
O arquivo inclui quadros inéditos, cartas íntimas, diários, fotografias e documentos pessoais que costumavam ocupar espaço no estúdio de Bacon.
O quadro a óleo decorou os estúdios de Bacon tanto em Battersea quanto em Reece Mews, entre 1957 e 1978, o que sugere que a peça significava algo de importante para ele, já as paredes de seus locais de trabalho normalmente estavam reservadas a fotos, testes de mistura de tintas e documentos de trabalho.
A julgar pelo formato arredondado do rosto que o quadro exibe, o retratado talvez seja o próprio Bacon, e Lacy pode tê-lo pintado como uma espécie de brincadeira entre amantes.
O pintor figurativo irlandês, conhecido por suas imagens austeras e ocasionalmente assustadoras, conheceu Lacy, antigo piloto de caças, em 1950, e os dois iniciaram um relacionamento apaixonado.
Em 1964, Bacon começou a namorar George Dyer, 39, um homem do East End londrino que ele costumava dizer ter conhecido quando o flagrou roubando seu apartamento.
Dyer, que já havia cumprido uma sentença de prisão por delitos de pequena monta, era um indivíduo de certa forma sofrido que jamais se acomodou bem à turma de boêmios que cercava Bacon.
Embora houvesse muito material relacionado a Dyer no estúdio de Bacon quando este morreu, em 1992, havia menos documentos que se referissem a Lacy, o que reforça a teoria de que Bacon tentou expurgar de sua vida as recordações relacionadas a Lacy, bem como as lembranças do estado mental "doentio" que o caso entre os dois havia um dia despertado.
Dyer, que ganhou muita importância na vida de Bacon depois da morte de Lacy e que serviu repetidamente como modelo ao pintor tanto antes quanto depois da morte do ex-amante, se suicidou em 1971, em Paris, na véspera da abertura da primeira grande exposição do pintor na cidade.

Diários e retratos
Entre os quatro diários que relatam as atividades de Bacon entre 1966 e 1971, há um de bolso que o pintor mantinha durante o ano em que Dyer morreu. Outros diários de bolso oferecem detalhes sobre o progresso de diversas pinturas. O leilão incluía também três retratos a óleo, um dos quais mostra uma figura diante de um fundo verde. Ainda que a identidade do modelo não esteja confirmada, o esboço revela semelhanças com o artista Lucien Freud.
Bacon era conhecido por "editar" constantemente a sua obra, e destruiu grande número de pinturas. Em anos vindouros, ele viria a descrever esses trabalhos mutilados, ironicamente, como algumas de suas melhores peças.
Quatro dessas obras "mutiladas" constam do leilão, mas há muitos exemplos de telas semidestruídas na Hugh Lane Gallery, em Dublin, nas quais os traços de rosto foram removidos dos quadros de maneira brutal.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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