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Diários inéditos levados a leilão revelam mundo caótico de Bacon
Acervo inclui material raro, como quadros, cartas íntimas, diários e fotografias
ARIFA AKBAR
DO "INDEPENDENT"
A foto em preto-e-branco,
desbotada, mostra o estúdio de
um artista, repleto de quinquilharias relacionadas à pintura,
recordações pessoais e cartas
belicosas de amigos e proprietários de galerias. O detrito de
um mundo boêmio.
Logo além do alcance da câmera, no estúdio de Francis Bacon, no número 7 de Reece
Mews, em Londres, existia uma
intrigante pintura a óleo, o único trabalho de arte a adornar as
paredes de seu local de trabalho
por mais de duas décadas.
O quadro representava uma
exceção à regra de Bacon: nunca decorar seu estúdio com peças de arte. A presença da obra
talvez sirva como testemunho
da paixão duradoura do pintor
por um antigo amante e possivelmente autor do quadro.
Datada de 1957, a obra foi
vinculada ao antigo parceiro de
Bacon, Peter Lacy, com quem o
pintor manteve um relacionamento muito tempestuoso.
Tanto a foto quanto o retrato
estão entre os 45 itens que foram a leilão terça-feira à noite
na Ewbank Fine Art Auctioneers, em Surrey. Cada item
oferece um vislumbre sobre o
mundo interior caótico e volátil
do artista e sobre seus relacionamentos muitas vezes tempestuosos.
O arquivo inclui quadros inéditos, cartas íntimas, diários,
fotografias e documentos pessoais que costumavam ocupar
espaço no estúdio de Bacon.
O quadro a óleo decorou os
estúdios de Bacon tanto em
Battersea quanto em Reece
Mews, entre 1957 e 1978, o que
sugere que a peça significava algo de importante para ele, já as
paredes de seus locais de trabalho normalmente estavam reservadas a fotos, testes de mistura de tintas e documentos de
trabalho.
A julgar pelo formato arredondado do rosto que o quadro
exibe, o retratado talvez seja o
próprio Bacon, e Lacy pode tê-lo pintado como uma espécie
de brincadeira entre amantes.
O pintor figurativo irlandês,
conhecido por suas imagens
austeras e ocasionalmente assustadoras, conheceu Lacy, antigo piloto de caças, em 1950, e
os dois iniciaram um relacionamento apaixonado.
Em 1964, Bacon começou a
namorar George Dyer, 39, um
homem do East End londrino
que ele costumava dizer ter conhecido quando o flagrou roubando seu apartamento.
Dyer, que já havia cumprido
uma sentença de prisão por delitos de pequena monta, era um
indivíduo de certa forma sofrido que jamais se acomodou
bem à turma de boêmios que
cercava Bacon.
Embora houvesse muito material relacionado a Dyer no estúdio de Bacon quando este
morreu, em 1992, havia menos
documentos que se referissem
a Lacy, o que reforça a teoria de
que Bacon tentou expurgar de
sua vida as recordações relacionadas a Lacy, bem como as lembranças do estado mental
"doentio" que o caso entre os
dois havia um dia despertado.
Dyer, que ganhou muita importância na vida de Bacon depois da morte de Lacy e que serviu repetidamente como modelo ao pintor tanto antes
quanto depois da morte do ex-amante, se suicidou em 1971,
em Paris, na véspera da abertura da primeira grande exposição do pintor na cidade.
Diários e retratos
Entre os quatro diários que
relatam as atividades de Bacon
entre 1966 e 1971, há um de bolso que o pintor mantinha durante o ano em que Dyer morreu. Outros diários de bolso
oferecem detalhes sobre o progresso de diversas pinturas.
O leilão incluía também três
retratos a óleo, um dos quais
mostra uma figura diante de
um fundo verde. Ainda que a
identidade do modelo não esteja confirmada, o esboço revela
semelhanças com o artista Lucien Freud.
Bacon era conhecido por
"editar" constantemente a sua
obra, e destruiu grande número
de pinturas. Em anos vindouros, ele viria a descrever esses
trabalhos mutilados, ironicamente, como algumas de suas
melhores peças.
Quatro dessas obras "mutiladas" constam do leilão, mas há
muitos exemplos de telas semidestruídas na Hugh Lane Gallery, em Dublin, nas quais os
traços de rosto foram removidos dos quadros de maneira
brutal.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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