São Paulo, segunda, 28 de abril de 1997.

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TEATRO
Diretora francesa do Théâtre du Soleil faz videopalestra hoje e amanhã na Temporada de Outono do Sesc
Mnouchkine busca escapar do realismo Mnouchkine, que está na cidade

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

A diretora francesa Ariane Mnouchkine, do Théâtre du Soleil, estará hoje e amanhã no Sesc Anchieta para apresentar um documentário sobre a montagem da peça ``Tartufo'' (95) e dialogar com o público.
Diretora de espetáculos como ``Les Atrides'', montagem de quatro clássicos gregos do início da década, é um dos principais nomes do teatro francês desde a criação do grupo, nos anos 60.
Em entrevista à Folha, ela fala de sua produção recente em espetáculos como ``Tartufo'' e ``A Cidade do Perjúrio'' (94).

Folha - Você encena textos clássicos ocidentais, mas com grande influência oriental, como foi com ``Tartufo''. Por quê?
Ariane Mnouchkine -
Eu penso que a Ásia é a mãe da arte de interpretar. Talvez não a mãe do teatro, porque os gregos também criaram o teatro. Mas o que os teatros tradicionais asiáticos buscaram e encontraram, e teorizaram, e também preservaram, é a arte do ator. Eles sabem o que é atuar. É sobre mostrar através de sintomas o que são os sentimentos interiores de um homem ou uma mulher. É a tarefa deles, encontrar os sintomas, eu diria a doença emocional de homem e mulher. A minha fonte, provavelmente a minha maior inspiração vem da Ásia, do ponto de vista dos atores. Do ponto de vista da escritura das peças, é diferente. É ocidental.
Folha - Você levou ``Tartufo'' para o Oriente.
Mnouchkine -
A sociedade que Molière descreve em ``Tartufo'' não existe mais, graças a Deus, na Europa. Mas ela existe em outros lugares. O integrismo que mostramos em ``Tartufo'' é o islâmico. Nós tínhamos que situá-lo numa sociedade que fosse ameaçada por estes fanáticos que, em nome de Deus, tomam o poder.
Folha - Mas esse fanatismo religioso está presente também na sociedade ocidental, hoje.
Mnouchkine -
Claro, há também fanatismo cristão, católico, mas o que ``Tartufo'' está falando é de sociedades como a Argélia ou o Sudão. É o que eu disse em Santiago (Chile). Se eu fosse chilena, provavelmente teria deixado a peça numa sociedade católica. Existe fanáticos de todo tipo, mas o mais ameaçador, no momento, visto, sentido pela Europa, é o islâmico. Aqui é compreensível que não se sinta da mesma maneira esse perigo, e sobretudo que esse perigo está progredindo.
Folha - Você trabalha com textos contemporâneos, alternando-os com clássicos. Trabalha também com peças realistas, de textos recentes como ``Art''?
Mnouchkine -
Nunca. Meu objetivo, no meu trabalho, é escapar do realismo, porque então eu acredito que não seja teatro. Mas isso não quer dizer que nós não lidamos com o mundo contemporâneo, com a política.
Folha - Você dirigiu uma peça em 94 que lidava com a Aids.
Mnouchkine -
Sim, fizemos uma peça que lidava, não com a Aids, mas com as circunstâncias que levaram milhares de pessoas a pegarem Aids. Três ou quatro homens decidiram vender um sangue que estava contaminado. E foi uma das grandes tragédias de nosso tempo, porque eles sabiam bem que matariam pessoas, e venderam. Mas não era sobre a Aids. Era sobre outra praga, que era a falta de simples consciência.
Folha - Uma vez eu ouvi o diretor (francês) Patrice Chereau dizer que a Aids não é um tema para o teatro, mas apenas algo com que você lida na realidade.
Mnouchkine -
Eu entendo o que ele diz. É por isso que eu dou esta precisão de que a peça não era sobre Aids. O tema era: como podem fazer o que fizeram? Que tipo de homens estamos produzindo? O que estamos ensinando às pessoas, em que elas se tornam depois? Então, quando Chereau diz que não é um tema teatral, eu me inclinaria a dizer que ele está provavelmente certo. Mas depende do que estamos falando, quando falamos de Aids. Estamos falando de um vírus? Então não é teatral. Ou estamos falando da sociedade? Da exclusão? Ou de uma praga natural, contra a qual nós temos que estar muito unidos, para lutar.
Folha - Você falava de seu trabalho com a nova dramaturgia...
Mnouchkine -
Não, eu não posso falar do novo teatro francês. Eu só posso falar de Hélène Cixous, que trabalha comigo. Não existe, no momento, muitos autores franceses que me interessem. O que não quer dizer que não existam autores interessantes, mas eu não tenho afinidade com esse teatro que às vezes eu penso que é, ou intelectual demais, ou realista demais, ou abstrato. E sobretudo voltado para o próprio umbigo. Agora está recomeçando, mas ainda há poucos que têm coragem de atacar questões que sejam reveladoras da atualidade. Como se não quisessem discernir a importância de alguns acontecimentos. Como se não conseguissem perceber, diante de um acontecimento, ou pelo horror que causa, ou pela esperança, a importância histórica. E essa é uma das qualidades próprias de um autor. Perceber os fatos que contêm neles a importância histórica ou mítica.
Folha - Você trabalha com atores que vêm de diferentes culturas. Por quê?
Mnouchkine -
Eu não fiz isso de propósito. Há muitas nacionalidades na França. Embora a política sobre estrangeiros venha se tornando muito preocupante, a França vinha sendo um país a que muitas pessoas podiam ir, estudar, trabalhar, ou apenas viver lá. De certo modo, o teatro é o reflexo do que aconteceu no país. E também, quando começou, eu não queria que parasse, porque é muito enriquecedor.
Folha - Você pode falar de seu trabalho de sete anos com a atriz brasileira Juliana Carneiro?
Mnouchkine -
Foi muito importante a entrada de Juliana. Ela trouxe um saber, uma maturidade, e um talento, evidentemente. Mas sobretudo existe nela uma espécie de exigência de verdade. Ela se tornou um ponto de referência para os outros atores. Há atores excelentes no Théâtre du Soleil, mas essa característica se tornou uma pequena medida. Ela prefere não fazer nada a mentir. Isso se tornou uma das leis.


Evento: videopalestra com Ariane Mnouchkine Quando: hoje e amanhã, às 19h Onde: Teatro Sesc Anchieta (r. dr. Vila Nova, 245, Consolação, tel. 256-2322) Quanto: Entrada franca, com ingressos retirados antecipadamente
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