|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Diretora francesa do Théâtre du Soleil faz videopalestra hoje e amanhã na Temporada de Outono do Sesc
Mnouchkine busca escapar do realismo
Mnouchkine, que está na cidade
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
A diretora francesa Ariane
Mnouchkine, do Théâtre du Soleil,
estará hoje e amanhã no Sesc Anchieta para apresentar um documentário sobre a montagem da
peça ``Tartufo'' (95) e dialogar
com o público.
Diretora de espetáculos como
``Les Atrides'', montagem de quatro clássicos gregos do início da
década, é um dos principais nomes
do teatro francês desde a criação
do grupo, nos anos 60.
Em entrevista à Folha, ela fala de
sua produção recente em espetáculos como ``Tartufo'' e ``A Cidade do Perjúrio'' (94).
Folha - Você encena textos clássicos ocidentais, mas com grande influência oriental, como foi com
``Tartufo''. Por quê?
Ariane Mnouchkine - Eu penso
que a Ásia é a mãe da arte de interpretar. Talvez não a mãe do teatro,
porque os gregos também criaram
o teatro. Mas o que os teatros tradicionais asiáticos buscaram e encontraram, e teorizaram, e também preservaram, é a arte do ator.
Eles sabem o que é atuar. É sobre
mostrar através de sintomas o que
são os sentimentos interiores de
um homem ou uma mulher. É a
tarefa deles, encontrar os sintomas, eu diria a doença emocional
de homem e mulher. A minha fonte, provavelmente a minha maior
inspiração vem da Ásia, do ponto
de vista dos atores. Do ponto de
vista da escritura das peças, é diferente. É ocidental.
Folha - Você levou ``Tartufo'' para o Oriente.
Mnouchkine - A sociedade que
Molière descreve em ``Tartufo''
não existe mais, graças a Deus, na
Europa. Mas ela existe em outros
lugares. O integrismo que mostramos em ``Tartufo'' é o islâmico.
Nós tínhamos que situá-lo numa
sociedade que fosse ameaçada por
estes fanáticos que, em nome de
Deus, tomam o poder.
Folha - Mas esse fanatismo religioso está presente também na sociedade ocidental, hoje.
Mnouchkine - Claro, há também fanatismo cristão, católico,
mas o que ``Tartufo'' está falando
é de sociedades como a Argélia ou
o Sudão. É o que eu disse em Santiago (Chile). Se eu fosse chilena,
provavelmente teria deixado a peça numa sociedade católica. Existe
fanáticos de todo tipo, mas o mais
ameaçador, no momento, visto,
sentido pela Europa, é o islâmico.
Aqui é compreensível que não se
sinta da mesma maneira esse perigo, e sobretudo que esse perigo está progredindo.
Folha - Você trabalha com textos
contemporâneos, alternando-os
com clássicos. Trabalha também
com peças realistas, de textos recentes como ``Art''?
Mnouchkine - Nunca. Meu objetivo, no meu trabalho, é escapar
do realismo, porque então eu acredito que não seja teatro. Mas isso
não quer dizer que nós não lidamos com o mundo contemporâneo, com a política.
Folha - Você dirigiu uma peça em
94 que lidava com a Aids.
Mnouchkine - Sim, fizemos
uma peça que lidava, não com a
Aids, mas com as circunstâncias
que levaram milhares de pessoas a
pegarem Aids. Três ou quatro homens decidiram vender um sangue que estava contaminado. E foi
uma das grandes tragédias de nosso tempo, porque eles sabiam bem
que matariam pessoas, e venderam. Mas não era sobre a Aids. Era
sobre outra praga, que era a falta
de simples consciência.
Folha - Uma vez eu ouvi o diretor
(francês) Patrice Chereau dizer que
a Aids não é um tema para o teatro, mas apenas algo com que você
lida na realidade.
Mnouchkine - Eu entendo o que
ele diz. É por isso que eu dou esta
precisão de que a peça não era sobre Aids. O tema era: como podem
fazer o que fizeram? Que tipo de
homens estamos produzindo? O
que estamos ensinando às pessoas,
em que elas se tornam depois? Então, quando Chereau diz que não é
um tema teatral, eu me inclinaria a
dizer que ele está provavelmente
certo. Mas depende do que estamos falando, quando falamos de
Aids. Estamos falando de um vírus? Então não é teatral. Ou estamos falando da sociedade? Da exclusão? Ou de uma praga natural,
contra a qual nós temos que estar
muito unidos, para lutar.
Folha - Você falava de seu trabalho com a nova dramaturgia...
Mnouchkine - Não, eu não posso falar do novo teatro francês. Eu
só posso falar de Hélène Cixous,
que trabalha comigo. Não existe,
no momento, muitos autores
franceses que me interessem. O
que não quer dizer que não existam autores interessantes, mas eu
não tenho afinidade com esse teatro que às vezes eu penso que é, ou
intelectual demais, ou realista demais, ou abstrato. E sobretudo
voltado para o próprio umbigo.
Agora está recomeçando, mas ainda há poucos que têm coragem de
atacar questões que sejam reveladoras da atualidade. Como se não
quisessem discernir a importância
de alguns acontecimentos. Como
se não conseguissem perceber,
diante de um acontecimento, ou
pelo horror que causa, ou pela esperança, a importância histórica.
E essa é uma das qualidades próprias de um autor. Perceber os fatos que contêm neles a importância histórica ou mítica.
Folha - Você trabalha com atores
que vêm de diferentes culturas.
Por quê?
Mnouchkine - Eu não fiz isso de
propósito. Há muitas nacionalidades na França. Embora a política
sobre estrangeiros venha se tornando muito preocupante, a França vinha sendo um país a que muitas pessoas podiam ir, estudar, trabalhar, ou apenas viver lá. De certo
modo, o teatro é o reflexo do que
aconteceu no país. E também,
quando começou, eu não queria
que parasse, porque é muito enriquecedor.
Folha - Você pode falar de seu
trabalho de sete anos com a atriz
brasileira Juliana Carneiro?
Mnouchkine - Foi muito importante a entrada de Juliana. Ela
trouxe um saber, uma maturidade, e um talento, evidentemente.
Mas sobretudo existe nela uma espécie de exigência de verdade. Ela
se tornou um ponto de referência
para os outros atores. Há atores
excelentes no Théâtre du Soleil,
mas essa característica se tornou
uma pequena medida. Ela prefere
não fazer nada a mentir. Isso se
tornou uma das leis.
Evento: videopalestra com Ariane
Mnouchkine
Quando: hoje e amanhã, às 19h
Onde: Teatro Sesc Anchieta (r. dr. Vila
Nova, 245, Consolação, tel. 256-2322)
Quanto: Entrada franca, com ingressos
retirados antecipadamente
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|