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Candido na América
Em entrevista à Folha, o intelectual fala sobre suas elogiadas obras e
a relação que mantém com outros escritores
Autores latino-americanos analisam em livro a influência que o trabalho do crítico brasileiro exerce
na literatura do continente
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JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O crítico Antonio Candido, 83,
um dos maiores intelectuais brasileiros do século 20, exerceu também -e ainda exerce- um papel decisivo sobre os estudos literários hispano-americanos.
Um mapeamento preliminar
dessa influência é traçado no livro
"Antonio Candido y los Estudios
Latinoamericanos", que acaba de
ser publicado pelo Instituto Internacional de Literatura Ibero-Americana da Universidade de
Pittsburgh (EUA).
Organizado pelo crítico Raúl
Antelo, 51, que nasceu na Argentina e vive no Brasil desde 1973, o
volume reúne autores de diversos
países,
abordando aspectos variados do
trabalho de Candido.
Em entrevista à Folha, o autor
de clássicos como "Formação da
Literatura Brasileira" e "Parceiros
do Rio Bonito" fez um balanço de
suas relações com a cultura do
continente.
Folha - O sr. leu o livro "Antonio
Candido y los Estudios Latinoamericanos"?
Antonio Candido - Recebi um
exemplar há pouco tempo, do
Raúl Antelo. Não cheguei a lê-lo
todo ainda. Foi uma grande surpresa, que me deixou muito desvanecido. Eu não sabia que estavam preparando esse livro. Vi que
há ali estudos muito generosos,
muito interessantes.
Folha - Seu interesse pela literatura hispano-americana parece ter
se intensificado a partir da Revolução Cubana. É correta essa impressão?
Candido - Não, não. Para falar a
verdade, não sou um grande conhecedor da literatura hispano-americana. Mas me interessei por
essa literatura antes da Revolução
Cubana, que é de 1959. Eu me interessei sobretudo por causa daqueles livros mexicanos da coleção Terra Firme.
Em 1960, dei um curso na Universidade da República, no Uruguai, ocasião em que conheci o
crítico Ángel Rama, e passei a me
interessar bem mais pela literatura do continente.
Bem mais tarde, quando me interessei pela Revolução Cubana,
eu já estava bastante integrado.
Quando conheci Cuba, pude
constatar o papel extraordinário
que o país teve para o intercâmbio
cultural no continente. Eles tiveram a iniciativa fantástica de reunir no território cubano os intelectuais latino-americanos. Antes
disso, nós nos encontrávamos sobretudo na Europa e nos EUA.
Folha - No livro da Universidade
de Pittsburgh é muito destacada a
sua interlocução com Ángel Rama.
As afinidades entre vocês parecem
ter sido tanto políticas como intelectuais...
Candido - Sobretudo intelectuais. Conheci-o em 1960, no Uruguai, e nos tornamos amigos. Depois convidei-o para dar aulas
aqui na USP, ele veio. Estive com
ele no México, nos Estados Unidos, na Europa. Mantivemos também muita correspondência.
Considero Ángel Rama o maior
crítico literário que a América Latina teve no meu tempo.
Folha - O livro mostra que o sr. teve uma importância decisiva para o
trabalho de Ángel Rama. Sua "Formação da Literatura Brasileira" influenciou muito o método de análise dele.
Candido - Vários estudiosos de lá
disseram isso. É a minha noção de
sistema literário, né? No Brasil,
não foi muito aceita. Foi muito
combatida, inclusive. Mas fiquei
satisfeito pelo fato de o Rama tê-la
adotado.
Folha - E seu diálogo com a estudiosa argentina Beatriz Sarlo?
Candido - Com ela tive menos
contato, mas a considero uma estudiosa de grande importância
pela combinação de crítica literária e consciência política.
Folha - Mas justamente nisso ela
se diz inspirada pelo sr.. Diz que
quando leu seus escritos encontrou
uma resposta para o que já vinha
buscando havia muito tempo, que
era essa conjugação da atenção à
estética e à estrutura social.
Candido - Sempre tive uma
preocupação política. Mas a crítica literária é muito variada, tem
que variar conforme o texto. Tem
que estar preparada para oscilar
entre a pura consideração de ordem estética, de um lado, e de outro lado a inserção social da obra.
Folha - Como o sr. avalia hoje o
"boom" literário latino-americano? O que havia de duradouro e o
que foi só propaganda?
Candido - Naquele momento a
ficção européia estava um pouco
cansada, de maneira que esse vulcão que foi o "boom" entusiasmou o mundo inteiro.
Houve muito "enchimento" no
"boom", mas alguns escritores ali
são realmente extraordinários. O
[Julio] Cortázar, sobretudo nos
contos, o primeiro livro do [Mario] Vargas Llosa, "La Ciudad y
los Perros", o livro do [Gabriel]
García Márquez, "Cem Anos de
Solidão", Alejo Carpentier, Juan
Rulfo, Carlos Fuentes... Realmente foi uma explosão literária extraordinária.
Nessa explosão se enquadra o
nosso Guimarães Rosa, que a meu
ver é o maior de todos.
Folha - No livro, há um ensaio da
professora Celia Pedrosa que recupera um texto seu de 1941, o "Manifesto Grouchista". O sr. se lembra
desse texto?
Candido - Aquilo foi uma brincadeira que eu fiz na nossa revista
"Clima", dizendo que havia o
marxismo do Karl Marx e o marxismo dos Irmãos Marx (risos).
Sempre fui um grande admirador
dos irmãos Marx, sobretudo do
Groucho. Era uma brincadeira irreverente.
Folha - Mas Celia Pedrosa tenta
demonstrar que não foi apenas
uma brincadeira, que aquele texto
ilumina sua concepção de literatura e de arte. Ela faz até um paralelo
entre o manifesto e uma tese que o
sr. desenvolveria décadas mais tarde, a da "dialética da malandragem"...
Candido - Acho que ela tem razão. Geralmente os outros têm
mais capacidade do que nós para
avaliar os textos que escrevemos,
que estão sempre cheios de coisas
inconscientes.
A minha geração sofreu muito a
influência dos modernistas de 22,
e sempre demos muita importância à alegria, ao riso, à irreverência. Apesar de sermos todos professores universitários, reagíamos
contra a solenidade. Sempre evitamos nos levar muito a sério, para não nos tornarmos medalhões.
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