São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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CRÍTICA

Filme escorrega a partir de desequilíbrio de personagens

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Diante de "Do Outro Lado da Rua", é justo o espectador perguntar, antes ainda de terminar a sessão, aonde queria ir o diretor-roteirista Marcos Bernstein: trata-se de um filme sobre o olhar e suas incertezas, como "Janela Indiscreta" ou "Blow Up"? Ou de um filme sobre nossa tendência a fazer juízos apressados? Ou ainda uma história delicada sobre encontro e amor numa idade, num momento, numa situação e numa idade improváveis -um pouco como o "Diário de la Guerra del Cerdo", de Adolfo Bioy Casares (de que Leopoldo Torre Nilsson tirou um filme que não me lembro de ter chegado por aqui)?
É um pouco disso, um pouco de cada um. Menos, talvez, por falta de claro engajamento numa dessas linhas do que pela percepção de que com cada uma delas, isoladamente, não se iria muito longe.
A questão do olhar, tal como proposta pelo filme, retoma basicamente o que está em Hitchcock. Temos ali Regina (Fernanda Montenegro), mulher que, a pretexto de ser informante policial, aprecia observar as janelas da vizinhança. Ela vê um dia o vizinho da frente, um juiz (Raul Cortez), executar um gesto muito semelhante ao de matar a mulher com uma injeção. Faz a denúncia à polícia e, mais do que isso, põe-se a fazer marcação 24 horas sobre o suposto criminoso.
Até que um dia eles se cruzam. Ele a convida para sair. Ela topa. Por que ele a convida? Talvez queira matá-la. Por que ela aceita? Porque pretende investigá-lo.
O fato é que aos poucos "Do Outro Lado da Rua" escorrega do policial para o filme romântico. Nessa segunda etapa estabelece-se ainda como um filme de atores. Nesse particular, aliás, está realmente bem servido. O crescendo da relação amorosa beneficia muito mais à personagem feminina -o filme desequilibra-se, nesse sentido, pois a personagem masculina permanece subexplorada, apenas um apoio para a mulher, que é quem se transforma.
Bernstein observa seus personagens com ternura, entrega-se aos atores com franqueza. Ao mesmo tempo, se embanana na hora de filmar a relação carnal entre duas pessoas de idade (é difícil mesmo), ou quando saca de sua grua sem quê nem por quê (aí é incompreensível). É forte no plano de abertura, despojado, mas apenas estetizante no segundo.
Entre altos e baixos, pode-se esperar que sua ficção amadureça um tanto mais e se concentre em problemas que existem, em vez de criar outros que não existem.


O Outro Lado da Rua
  
Produção: Brasil, 2004
Direção: Marcos Bernstein
Com: Fernanda Montenegro, Raul Cortez
Quando: a partir de hoje no Bristol, Kinoplex Itaim, Top Cine e circuito



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