São Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 2007

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Vencedor se baseia em experiência pessoal, diz diretor

Filme romeno de baixo orçamento bate grandes nomes do cinema como os irmãos Coen, Kusturica e Tarantino

País, que também venceu a mostra Um Certo Olhar, com "California Dreamin'", ressurge com índices modestos na sétima arte

DA ENVIADA A CANNES

A trama do filme vencedor da Palma de Ouro, "4 Luni, 3 Saptamini si 2 Zile" (4 meses, 3 semanas e 2 dias), é baseada "numa experiência pessoal", segundo afirmou em Cannes seu diretor, Cristian Mungiu.
A história se passa nos anos 80, quando, na Romênia sob a ditadura de Nicolau Ceaucescu, o aborto estava proibido.
A jovem universitária Gabita (Laura Vasiliu) decide interromper uma gravidez. A gestação avança até o tempo referido no título do filme.
Para contornar as dificuldades impostas pela clandestinidade do ato, Gabita recorre à amiga Otilia (Anamaria Marinca), uma das cinco estudantes com quem divide o quarto na moradia estudantil.
Embora a gravidez seja de Gabita, é Otilia quem protagoniza o filme. O espectador acompanha seus passos, um a um, no dia marcado para a operação clandestina.
Ela se desincumbe de tarefas como conseguir dinheiro emprestado, alugar o quarto de hotel onde Gabita fará o aborto e levar até lá o "profissional" contratado para a tarefa.
A data da intervenção coincide com o aniversário da mãe de seu namorado, que, sem saber do compromisso de Otilia com a amiga, escolhe essa ocasião para apresentá-la à família.
O atraso de Otilia para a festa e um embaraço provocado por outro convidado à mesa elevam a tensão entre o casal.
Mas o ponto máximo da tensão em "4 Luni, 3 Saptamini si 2 Zile" é trazido pelo personagem do médico, que, ao descobrir que a gravidez de Gabita está mais adiantada do que ela havia dito, impõe uma exigência adicional (e sórdida) como pagamento ao seu trabalho.
Além da carreira de Mungiu, a Palma de Ouro que o diretor recebeu ontem destaca a cinematografia de um país que, no início da década, havia deixado de existir para o cinema.
Em 2000, a Romênia não produziu nem sequer um longa-metragem. O renascimento -promovido à base da fusão entre investimentos privados, apoio financeiro estatal e co-produções com outros países- conduziu à cifra de dez filmes concluídos no ano passado.
Os demais índices do cinema romeno também são incipientes -total de 110 cinemas em operação e 2,8 milhões de ingressos vendidos em 2006.
O Brasil, que tem população muito mais numerosa, mas está longe de ser uma potência cinematográfica, possui 2.045 salas, produz aproximadamente cem filmes por ano e vende cerca de 90 milhões de ingressos.

Ressurgimento
O festival já havia direcionado sua atenção para o ressurgimento do cinema romeno, premiando "A Morte de Dante Lazarescu", de Cristi Puiu, na mostra Um Certo Olhar de 2005 e dando a Caméra D'Or (dedicada ao melhor filme de estreante em longas) no ano passado para "A Leste de Bucareste", de Corneliu Proumboiu.
Além da Palma de Ouro e do prêmio da crítica a "4 Luni, 3 Saptamini si 2 Zile", a Romênia venceu a mostra Um Certo Olhar, com "California Dreamin'", de Cristian Nemescu.
O filme é ambientado em 1999, quando, enviado pela Otan, um pelotão norte-americano transporta um carregamento de armas em direção a Kosovo, mas fica retido numa cidade do interior da Romênia, por uma autoridade local.
É o primeiro longa de Nemescu e foi exibido em Cannes como uma obra inconcluída. O cineasta trabalhava na montagem do filme quando sofreu um acidente de carro fatal no ano passado. Ele tinha 26 anos.

Pamuk
Membro do júri presidido pelo diretor Stephen Frears, que definiu os vencedores da competição oficial, o escritor turco Orhan Pamuk, Nobel de Literatura, definiu "4 Luni, 3 Saptamini si 2 Zile" como "um filme econômico e extremamente bem feito, que se tem prazer de ver cada seqüência".
Pamuk disse que havia "outros ótimos filmes" na disputa, mas que o júri não teve dificuldades de chegar ao veredito. "Aqui em Cannes, celebramos o cinema como arte", afirmou.
A cerimônia de premiação foi sucinta e conduzida num tom de austeridade pela atriz alemã Diane Krueger.
Frears ateve-se a dizer apenas o nome do vencedor de cada categoria, sem comentários ou justificativas às escolhas. A exceção foi para o prêmio principal. "Tenho a honra de anunciar que o vencedor da Palma é "4 Luni, 3 Saptamini si 2 Zile"."
Dois convidados a entregar prêmios quebraram o protocolo. O ator Alain Delon, que se reconciliou neste ano com o Festival de Cannes, disse: "Entre meus defeitos, tenho o que vocês sabem de não fazer nada igual a todo mundo".
Em seguida, Delon pediu 25 segundos de aplausos para a atriz Romy Schneider (1938-82), com quem trabalhou e teve um romance. E foi atendido.
O ator francês de origem argelina Jamel Debbouze fez um irônico discurso contrário ao presidente Nicolas Sarkozy, que terminou com um "Viva a República! Viva a França!".
Premiado pelo roteiro de "Auf Der Anderen Seite" (do outro lado), que também dirige, o alemão de origem turca Fatih Akin terminou seu agradecimento com uma "mensagem especial para a Turquia". Disse: "Precisamos ficar unidos ou tombaremos".
"Auf Der Anderen Seite" é uma sequência de "Contra a Parede", longa de ficção anterior de Akin, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim.
O novo filme acompanha seis personagens lidando com o amor e a morte, em suas relações amorosas e de pais e filhos, entre a Turquia e a Alemanha.
A iraniana radicada na França Marjane Satrapi, cujo exílio pós-revolução islâmica é contado no longa de animação "Persepolis", dedicou o Premio do Júri que recebeu "a todos os iranianos, embora essa seja uma história universal".
O mexicano Carlos Reygadas, que dividiu com "Persepolis" o prêmio do júri por "Stellet Licht" (luz silenciosa), em que aborda uma comunidade religiosa ortodoxa (menonita) vivendo no México, resumiu seu discurso a um "obrigado".
(SILVANA ARANTES)


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