São Paulo, sábado, 28 de maio de 2011

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Sexo, letras & absinto

Sérgio Sant'Anna interrompe hiato de 8 anos, o maior da carreira, com obra delirante ambientada em Praga

FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Assim como o escorpião da fábula, Sérgio Sant'Anna não conseguiu fugir à sua natureza em "O Livro de Praga", que acaba de sair pela Companhia das Letras.
Escalado pelo projeto "Amores Expressos", que enviou autores a várias partes do mundo com a missão de escrever uma história de amor ambientada na cidade escolhida, Sant'Anna foi a Praga e voltou sem uma história do amor.
Ou melhor, trouxe a sua versão do que pode ser amor. O que acontece na Praga de Sant'Anna é muito sexo -delírios, perversões e fetiches-, um sexo que em geral leva à perda e à morte.
"Quando vi, tudo tinha uma carga sexual e mortífera, são coisas que estão dentro de mim, e que, na hora do desejo irracional, saem", contou o autor à Folha.
"Não me senti em condição de entrar na pele de uma moça tcheca para falar do amor dela. Botar dois brasileiros também não faria sentido. Então a coisa aconteceu dessa forma."
Melhor para o leitor. "O Livro de Praga" é uma obra de encomenda, o que de saída artificializa qualquer trabalho literário, mas é, antes de tudo, um novo Sérgio Sant'Anna, e é também um típico Sérgio Sant'Anna, o que, para as letras nacionais, não é pouca coisa.
O lançamento interrompe o maior intervalo produtivo da sua carreira. Sem publicar desde 2003, quando saiu o livro de contos "O Voo da Madrugada", vencedor do Jabuti, o escritor carioca de 69 anos revitaliza neste inédito sua prosa engenhosa.
Mescla ao habitual nonsense cômico a densidade ficcional que fez dele um dos grandes autores nacionais.

HÍBRIDO
O livro traz sete narrativas (ele rejeita que se as defina como contos) interligadas, formando um todo que tampouco é classificável, pois um híbrido de gêneros.
O narrador é Antônio Fernandes, alter ego de Sant'Anna que flana por Praga numa libertinagem calibrada por doses de absinto, becherovka (bebida típica tcheca) e chá de cannabis.
No percurso, foge dos clichês turísticos e é enredado numa teia de sexo sem freios. Suas parceiras são uma santa (com a qual copula na cruz), uma boneca de teatro negro de sombras, uma suicida, uma pianista misteriosa, uma jovem que tem tatuado no corpo o manuscrito do que seria um inédito de Kafka e uma oficial da polícia tcheca que não tira as botinhas na hora do sexo (e pede que ele a espanque com o cinto do uniforme).
É tudo ficção, claro. Mas, indagado sobre o quanto dele mesmo há no narrador, Sant'Anna é franco. "É todo o meu inconsciente que está ali. Há um Sérgio Sant'Anna que não é o Sérgio Sant'Anna racional, é uma voz dentro de mim que me dita aquelas coisas, quando vejo tô escrevendo."
Sobre eventuais reclamos da Igreja pelo sexo com a santa, o autor esclarece que tomou cuidado de não mexer com uma santa real.
Mas não se preocupa em incomodar a instituição. "A Igreja Católica é uma coisa que me aborrece profundamente. Se vier [a causar problemas com a Igreja] é até bom, porque me ajuda a divulgar os livros. Mas não vai ter, porque eles não leem [minha obra], se lessem me ajudariam a divulgar."

BEBIDA E DROGA
Sant'Anna relata que, mais que a becherovka -que achou doce, "bebida de mulher"-, o absinto, destilado de altíssimo teor alcoólico, lhe ajudou a criar o livro.
"Eu ia num pub e ficava tomando absinto. Me sinto bem em ficar no balcão de um bar observando as pessoas. As pessoas animadas e eu ali sozinho, curtindo meu absinto. É uma bebida que tem aquela aura romântica, da época de Baudelaire, Rimbaud... Quase como se fosse bebida e droga ao mesmo tempo."

O LIVRO DE PRAGA

AUTOR Sérgio Sant'Anna
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 37,50 (144 págs.)
DEBATE O escritor participa de bate-papo com Luiz Ruffato hoje, às 11h, no Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier (SP)


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