São Paulo, Sexta-feira, 28 de Maio de 1999
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Só dois dos EUA brilham

em Cannes

Duas no cravo, duas na ferradura; dois filmes fracos, duas pequenas obras-primas. Não foi, portanto, por falta de opções que o júri dispensou sem nenhum reconhecimento a produção americana selecionada para a disputa da Palma de Ouro deste ano.
Nada haveria mesmo a premiar em "Cradle Will Rock", em que Tim Robbins demonstra pouco fôlego épico para relembrar o musical maldito montado por Orson Welles nos anos 30, ou no apenas simpático "Limbo", dirigido no Alasca por John Sayles. Mas "The Straight Story", de David Lynch, e "Ghost Dog: The Way of the Samurai", de Jim Jarmusch, impuseram-se automaticamente como novos marcos nas carreiras de ambos.
"The Straight Story" parecia o único concorrente sério de "Todo Sobre Mi Madre", de Almodóvar, à Palma de Ouro, que acabou mesmo com "Rosetta", dos irmãos Dardenne. É o mais linear, caloroso e intimista dos filmes de Lynch.
Esqueça a atmosfera onírica, as elipses desestabilizadoras, o estilo barroco de filmes como "Veludo Azul" e "Twin Peaks". Tudo se concentra em torno do velho Alvin Straight, um personagem real que, em 1994, fez 600 km em cima de um trator para fazer as pazes com um irmão vítima de um derrame.
A narrativa se constrói das pequenas anedotas ocorridas no trajeto entre Laurens, estado do Iowa, e Mount Zion, no Wisconsin. Um coadjuvante veterano, Richard Farnsworth, transforma Alvin no personagem de sua vida. É dessas performances que dá vontade de envelhecer como ele.
Se a guinada fez bem a Lynch, a insistência fortaleceu Jarmusch. "Ghost Dog" depura o já acima da média "Dead Man" (1996). "Negros e índios, é a mesma coisa", afirma um dos personagens.
Forest Whitaker ("Bird") interpreta um assassino de aluguel de radical ética zen, fiel a ao pequeno mafioso que lhe salvou a vida. Pílulas de sabedoria de um samurai comentam a violenta implosão desse pacto, numa metáfora do próprio cinema pós-Tarantino. Não menos que obrigatório. (AL)


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