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CRÍTICA
Filme de Paskaljevic contém a violência que justifica guerra
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Para o espectador brasileiro, a
surpresa que "Barril de Pólvora"
reserva é, justamente, a ausência
de surpresa, de estranhamento.
Embora nos fale da Iugoslávia
em guerra -uma guerra de difícil
entendimento- e de um povo que
conhecemos por meia dúzia de filmes e dois ou três livros, o filme de
Goran Paskaljevic raramente
transmite uma sensação de distância. Na verdade, há pouca diferença entre "Barril de Pólvora" e uma
parte considerável do cinema americano que se produz hoje em dia.
O filme compõe-se de uma série
de vinhetas que pretendem mostrar o que se passa numa noite em
Belgrado. Evidentemente, é uma
situação de completa degenerescência. Logo na primeira história,
um homem, cujo Volkswagen foi
ligeiramente abalroado por outro
carro, dirigido por um garoto sem
habilitação, vai à casa do rapaz e
arrebenta tudo que existe à sua
frente.
Ele nem parece se preocupar
muito com a hipótese de reparação
dos danos ao seu carro. Eles lhe parecem irreparáveis.
Haverá depois o sujeito que mata
seu melhor amigo; o que sequestra
um ônibus e sai guiando pela cidade; o noivo ciumento que pretende
culpar a namorada por ela quase
ter sido vítima de estupro etc.
Não importa qual seja o assunto,
em todos os episódios existe uma
violência paroxística.
Todos servem, no mais, a constatar que esses personagens nervosos, reduzidos à violência mais primitiva, habitam um país onde a vida não faz sentido.
Depois da Primeira Guerra Mundial, os expressionistas alemães
-às voltas com um país igualmente dilacerado- trabalhavam
em um registro semelhante. Apenas que eles, no centro do mundo,
pretendiam que a existência em
geral não fazia sentido. Os que procuravam escapar a essa sensação
de insânia tornavam-se, não raro,
supercriminosos, tipo Dr. Mabuse
-isto é, instauravam uma loucura
ainda maior.
Em "Barril de Pólvora" não existe gênio do mal. O mal carece de
genialidade porque está disseminado, indiscriminado. Assim como a guerra, o mal está em cada
um.
Trata-se, em suma, de um filme
de guerra sem guerra. No gênero, é
bem mais interessante do que o decantado "Antes da Chuva", por
exemplo, embora sofra com a irregularidade das situações (algumas
soluções são desnecessária e literalmente bombásticas) e com a necessidade de explicar -por meio
de um artista de cabaré- coisas
que se auto-explicam.
Curiosamente, não é tanto a
guerra que chama a atenção em
"Barril de Pólvora", mas o caráter
violento das sociedades balcânicas. Ao mesmo tempo -e se o espectador fizer a ligação com os filmes americanos de aventura- o
filme fornece uma pista para entender a guerra nos Bálcãs, nutrida
por ódios milenares que ninguém
sabe precisar onde começam.
Pois a eles vêm se juntar os norte-americanos, que com seus bombardeios aéreos acrescentam à truculência existente uma outra truculência, essa que vemos com frequência ser exaltada, banalizada,
tornada cotidiana nos "Duro de
Matar", "Máquina Mortífera" e similares.
A rigor, "Barril de Pólvora" vem
nos lembrar que convivemos com
a violência pacificamente, isto é,
que a aceitamos em nós e ao nosso
redor, e que esta é uma característica do final do milênio.
A guerra nos Bálcãs seria, assim,
segundo Paskaljevic, de uma outra
natureza que as anteriores: menos
gerada por interesses políticos,
econômicos ou mesmo étnicos e
muito mais por uma cultura que
venera a agressividade e a necessidade de extravasá-la. Pode até não
ser verdadeiro -veremos-, mas
é um ponto de vista original.
Avaliação:
Filme: Barril de Pólvora
Produção: França, 1998
Direção: Goran Paskaljevic
Com: Lazar Ristovski, Miki Manojlovic,
Mirjana Jokovic
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 2
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