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"DEPOIS DA VIDA"
Kore-Eda expõe vidas remontadas
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"Maborosi " (1995) lançava a candidatura de Hirokazu Kore-Eda à sempre disputada eleição da "revelação do ano"
do cinema japonês. A cinematografia nipônica é dessas que não
perdem o fôlego, e o filme de Kore-Eda, uma primorosa obra de
luto erigida sob o signo do tempo,
era mais uma prova.
Mais do que confirmar o talento
do diretor, seu novo filme, "Depois da Vida", o coloca como um
novo "cineasta da duração". Em
"Maborosi", partindo do luto, ele
conseguia encontrar, no tempo
interno de cada uma das cenas, a
densidade de uma sobrevida.
Em "Depois da Vida", Kore-Eda
trabalha a duração a partir do
mistério. Não encontra, só procura, pois descobriu que precisa dosar a atividade e a passividade do
espectador, fazê-lo trabalhar em
cena e ser trabalhado por ele.
Não se trata, portanto, desses
filmes que levam o espectador pelo braço, indicando-lhe a emoção
e o sentido adequados para cada
passagem. Mesmo porque, eis o
mais clássico preceito baziniano:
a duração, no cinema, implica
sempre uma maior ambiguidade.
O tempo, Kore-Eda bem o sabe,
é o senhor das incertezas: "Depois
da Vida" é um mistério que não se
deve solucionar. Estamos numa
casa de refúgio, espécie de asilo,
não sabemos do que, onde pessoas de variadas idades são entrevistadas. As entrevistas podem fazer parte de um teste de seleção
profissional ou de um teste de figuração para cinema. Não sabemos também, a princípio, se os
entrevistados são figurantes que
dão depoimentos espontâneos ou
atores sob a direção de Kore-Eda.
O fato é que cada uma dessas
pessoas é declarada, antes de tudo, morta. "Você morreu ontem.
Minhas condolências", diz, no começo de uma das entrevistas, um
dos inquiridores. Em seguida, cada um dos entrevistados escolhe
uma lembrança de sua vida.
A morte, dizia Pasolini, realiza
uma montagem fulminante da vida: ela é o primeiro (quiçá também o último) corte no longo plano-sequência de uma existência.
Tudo se passa em "Depois da Vida" como se aos personagens
coubessem a tarefa e o privilégio
de remontar a própria vida, nela
escolhendo apenas os momentos
mais marcantes: a felicidade da
infância, um gesto de amor, a dor
do parto, um sonho, uma afecção.
Os personagens de Kore-Eda
são os montadores e os espectadores de suas próprias existências, ou do que dela deve restar.
Kore-Eda nos enreda numa improvável ficção para falar de cinema. E faz. Afinal, a fabricação dos fantasmas e a fabulação das memórias não se realizam de fato senão no próprio ato da filmagem.
Depois da Vida
After Life
Direção: Hirokazu Kore-Eda
Produção: Japão, 1998
Com: Arata, Erika Oda
Quando: a partir de hoje nos cines Frei
Caneca Unibanco Arteplex e Sala UOL
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