São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"DEPOIS DA VIDA"

Kore-Eda expõe vidas remontadas

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

"Maborosi " (1995) lançava a candidatura de Hirokazu Kore-Eda à sempre disputada eleição da "revelação do ano" do cinema japonês. A cinematografia nipônica é dessas que não perdem o fôlego, e o filme de Kore-Eda, uma primorosa obra de luto erigida sob o signo do tempo, era mais uma prova.
Mais do que confirmar o talento do diretor, seu novo filme, "Depois da Vida", o coloca como um novo "cineasta da duração". Em "Maborosi", partindo do luto, ele conseguia encontrar, no tempo interno de cada uma das cenas, a densidade de uma sobrevida.
Em "Depois da Vida", Kore-Eda trabalha a duração a partir do mistério. Não encontra, só procura, pois descobriu que precisa dosar a atividade e a passividade do espectador, fazê-lo trabalhar em cena e ser trabalhado por ele.
Não se trata, portanto, desses filmes que levam o espectador pelo braço, indicando-lhe a emoção e o sentido adequados para cada passagem. Mesmo porque, eis o mais clássico preceito baziniano: a duração, no cinema, implica sempre uma maior ambiguidade.
O tempo, Kore-Eda bem o sabe, é o senhor das incertezas: "Depois da Vida" é um mistério que não se deve solucionar. Estamos numa casa de refúgio, espécie de asilo, não sabemos do que, onde pessoas de variadas idades são entrevistadas. As entrevistas podem fazer parte de um teste de seleção profissional ou de um teste de figuração para cinema. Não sabemos também, a princípio, se os entrevistados são figurantes que dão depoimentos espontâneos ou atores sob a direção de Kore-Eda.
O fato é que cada uma dessas pessoas é declarada, antes de tudo, morta. "Você morreu ontem. Minhas condolências", diz, no começo de uma das entrevistas, um dos inquiridores. Em seguida, cada um dos entrevistados escolhe uma lembrança de sua vida.
A morte, dizia Pasolini, realiza uma montagem fulminante da vida: ela é o primeiro (quiçá também o último) corte no longo plano-sequência de uma existência. Tudo se passa em "Depois da Vida" como se aos personagens coubessem a tarefa e o privilégio de remontar a própria vida, nela escolhendo apenas os momentos mais marcantes: a felicidade da infância, um gesto de amor, a dor do parto, um sonho, uma afecção.
Os personagens de Kore-Eda são os montadores e os espectadores de suas próprias existências, ou do que dela deve restar. Kore-Eda nos enreda numa improvável ficção para falar de cinema. E faz. Afinal, a fabricação dos fantasmas e a fabulação das memórias não se realizam de fato senão no próprio ato da filmagem.


Depois da Vida
After Life    
Direção: Hirokazu Kore-Eda
Produção: Japão, 1998
Com: Arata, Erika Oda
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex e Sala UOL



Texto Anterior: "Timor Lorosae": Documentário abandona história e se perde na pieguice
Próximo Texto: Panorâmica - Artes plásticas: Filme sobre Senise é lançado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.