|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Cineasta fez o que quis, como quis
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Eu fazia assistência de montagem para Sylvio Renoldi
quando Walter Hugo Khouri fez
"As Deusas". Renoldi, grande
montador, porém um tanto impaciente com o detalhismo do diretor, deixava-me a horas tantas
trabalhar sozinho com o diretor.
Khouri, ou Walter, como preferia ser chamado, não economizava trabalho. A cada cena que não
lhe parecia bem elaborada, abríamos a lata com o material cortado, buscávamos fotogramas,
acrescentávamos alguns centímetros de imagem até que a cena ficasse a contento.
Na época, 1970, pesava sobre
Khouri a acusação de "alienado".
Houve várias outras acusações semelhantes a essa, que tendiam a
diminuí-lo: burguês, imitador de
Antonioni etc. O certo é que, burguês ou não, Walter Khouri fez os
filmes que quis e como quis. Isto
é: tinha completo controle sobre a
técnica de um filme. Sabia que
efeito pretendia obter da imagem
de um rosto e de sua duração, de
um acorde musical, de uma determinada luz, de um corte.
Pessoalmente, o trabalho com
ele em "As Deusas" foi o mais instrutivo de meus anos de cinema.
Não espanta que Glauber Rocha,
ainda iniciante, fizesse questão de
mostrar um curta-metragem que
havia feito a Khouri, que tinha na
conta de maior diretor brasileiro.
É verdade que no futuro os dois
estariam em campos opostos.
Glauber era o líder do cinemanovismo. Khouri, o mais talentoso
herdeiro da Vera Cruz. Glauber, o
revolucionário, o renovador.
Khouri, o reacionário, o imitador
de Bergman. Os clichês pegam.
Mas é preciso não ter olhos para
não enxergar a beleza de "Noite
Vazia" (e até mesmo o tanto de
crítica social ali). Ou para não se
surpreender com a atmosfera fantástica de "Estranho Encontro".
Walter Khouri fez alguns outros
filmes notáveis: "As Amorosas",
"O Anjo da Noite" e "As Filhas do
Fogo". Seu favorito talvez fosse
"Corpo Ardente".
À medida que o sexo se tornou
assunto mais frequente nos filmes
brasileiros, nos anos 70, Khouri
não se apertou: esse era seu território desde os anos 50. Adorava as
atrizes, de preferência as bonitas.
Adorava colocá-las em destaque,
mimá-las. Elas também o adoravam: Odete Lara, Norma Bengell,
Liliam Lemmertz, Adriana Prieto,
Anecy Rocha.
Muito atacado ao longo dos
anos 60, aos poucos Khouri foi
sendo aceito pela crítica, talvez até
pela sua coerência: apesar dos ataques, apesar das mudanças que o
tempo impõe, Khouri era de uma
fidelidade canina a seus temas, a
suas obsessões.
Para quem o conheceu, Khouri
foi um mestre generoso, sempre
pronto a ensinar algo e conversar
sobre cinema. Para quem não o
conheceu, seus filmes restam como lição: embora tivesse um domínio técnico completo, nunca
permitiu que a técnica fosse o fim
último de seus filmes.
Em resumo, Khouri foi um
mestre e um dos maiores cineastas brasileiros desde os anos 1950.
Texto Anterior: Repercussão Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|