São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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Crítica/cinema/"A Última Amante"

Catherine Breillat subverte convenções do filme de época

Diretora francesa aborda a afirmação da sexualidade em um ambiente opressor

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Um filme de época era a última coisa a se esperar de Catherine Breillat, cineasta francesa obsessivamente dedicada à questão do desejo feminino. Seu cinema, famoso pelas cenas de sexo filmadas sem pudor -"Romance" e "Anatomia do Inferno", que traziam o astro pornô Rocco Sifredi, foram particularmente escandalosos-, sempre foi fundamentalmente contemporâneo, e talvez seja justamente por isso que "A Última Amante", uma adaptação do romance "Une Vieille Maitresse", de Jules-Amédée Barbey d'Auverilly, tenha lá seu frescor.
Crônica de uma época da nobreza francesa, a trama traz fortes ecos de "Ligações Perigosas", apesar de se situar em 1835, cerca de 70 anos depois da célebre intriga de Chordelos de Laclos. Na verdade, Breillat não abandonou suas questões prediletas, e o resultado é que "A Última Amante" cresce a partir da tensão entre as convenções do "filme de época" e a estética particular da cineasta, que nega, em cada fotograma, o tradicionalismo do gênero.
Os personagens de Breillat não são figurinos recheados de corpos, como é comum acontecer nesse tipo de filme, mas corpos (desajeitadamente) vestidos com roupas de época. A dimensão de crônica é subvalorizada em favor de um estudo mais franco da possibilidade de uma afirmação da identidade sexual em meio a um ambiente opressor.
A figura central de "A Última Amante" é uma "outsider" da corte, a senhora Vellini (Asia Argento), espanhola de jeito extravagante, filha de um toureiro, que vive uma longa relação com o filho da nobreza Ryno de Marigni (Fu'ad Ai Aattou). Os laços entre os dois serão postos em xeque quando a família dele decide casá-lo com a jovem Hermangarde (Roxane Mesquida). Uma situação clássica, que ganhará tratamento não-clássico.

Crueza calculada
A encenação de Breillat continua guardando um grau de crueza calculado para evitar qualquer possibilidade de glamour. Sua câmera é direta e os cenários e figurinos não sufocam outros aspectos do filme. É verdade que nas cenas dominadas pelas palavras Breillat não demonstra a mesma desenvoltura das seqüências em que o corpo é a figura central, e por isso seu filme cresce bastante quando abandona a corte, fofocas e intrigas para se concentrar na realização do amor de Vellini e Ryno depois que eles fogem para a Argélia -com toques trágicos.
Para que o projeto de Breillat se realize, a presença de Asia Argento em "A Última Amante" é fundamental. A atriz cristaliza a representação da sexualidade feminina como elemento transgressor, numa interpretação transbordante e decididamente infernal, que confirma Argento como ícone do cinema de ambições transgressoras.


A ÚLTIMA AMANTE
Produção:
França/Itália, 2007
Direção: Catherine Breillat
Com: Asia Argento, Fu'ad Ait Aattou, Roxane Mesquida
Quando: em cartaz no Bristol, Cine UOL e Reserva Cultural; 16 anos
Avaliação: bom


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