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RESENHA DA SEMANA
Cultura da infelicidade
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Um dos princípios básicos
dos livros de auto-ajuda é
mostrar ao indivíduo, por meio
de lugares-comuns, que a vida é
igual para todo mundo, e com
isso aliviá-lo de uma dor que ele
achava ser só sua.
"O consolo mais eficaz consiste, em primeiro lugar, em verificar que outros padecem de sofrimentos muito maiores; em
segundo, em buscar a companhia dos (...) que se encontram
em situação igual à nossa", escreveu o filósofo alemão Arthur
Schopenhauer (1788-1860) em
uma das 50 máximas reunidas,
140 anos depois da sua morte,
sob o título um tanto irônico de
"A Arte de Ser Feliz".
Irônico, nesse caso, pelo simples fato de Schopenhauer ser
um filósofo pessimista. E nada
mais incongruente do que imaginá-lo escrevendo um manual
de felicidade. O pequeno volume, cuja edição parece seguir o
espírito dos livros de cabeceira
que servem de pílulas de sabedoria ao alcance das mãos, apenas acrescenta a antigos preceitos estóicos e aristotélicos ("O
homem sábio não persegue o
que é agradável, mas a ausência
de dor") a crença absoluta nos
efeitos do autoconhecimento.
Pressupondo que "a felicidade
completa e positiva é impossível", o filósofo pessimista (que
aqui não é mais do que sinônimo de homem de bom senso)
não deixa ao leitor outra escolha
além de "esperar apenas um estado relativamente menos doloroso" da vida. Sua "Arte de Ser
Feliz" é, no fundo, um manual
da menor infelicidade.
A conclusão é empírica: não
existe felicidade em si, mas apenas na comparação com a sua
falta. E daí a impossibilidade de
atingi-la e a ilusão e infelicidade
dos que a procuram. Você almeja uma coisa ou um estado de
coisas, e das duas uma: ou não o
alcança ou quando o alcança já
não pode desfrutá-lo, pois já não
o percebe como aquilo que almejava.
"Num caso feliz, aquilo que
comprime nossas aspirações é
aliviado, e elas se expandem:
nisso está a alegria. No entanto,
ela também dura apenas até o
momento em que tal operação
se realiza totalmente: nós nos
habituamos à ampliação dos
nossos desejos e nos tornamos
indiferentes à posse correspondente. (...) Passamos incansavelmente de desejo em desejo."
Ou seja: a felicidade só pode
ser concebida pela sua ausência
ou pela sua perda, ao contrário
da dor, que se manifesta por si
só. "Todos viemos ao mundo
cheios de pretensões de felicidade e prazer (...) até o momento
em que o destino nos aferra
bruscamente e nos mostra que
nada é nosso (...). A experiência
vem em seguida e nos ensina
que a felicidade e o prazer não
passam de uma quimera, mostrada à distância por uma ilusão,
enquanto o sofrimento e a dor
são reais e manifestam-se diretamente (...), sem a necessidade
da ilusão e da espera."
A solução, portanto, é muito
mais subjetiva do que objetiva.
"O meio mais seguro de não se
tornar muito infeliz consiste em
não desejar ser muito feliz." Um
comedimento das expectativas
em que o autoconhecimento
tem um papel fundamental. "A
fonte da nossa insatisfação reside nas nossas tentativas, continuamente renovadas, de aumentar o limite constituído pelas pretensões, enquanto o outro
fator, que o impede, permanece
imutável."
Para escapar a essa infelicidade, Schopenhauer propõe a cada
um adequar-se a si mesmo, adequar o que quer ao que pode, resignar-se aos seus próprios limites: "Uma vez que estamos perfeitamente conscientes das nossas forças e fraquezas, não tentaremos nem mesmo demonstrar
forças que não possuímos, não
jogaremos com falsa moeda (...).
Todo homem é apenas a manifestação da própria vontade, nada pode ser mais insensato do
que querer propositadamente
ser algo diferente do que se é".
É o contrário do que prescreve
uma cultura baseada na exposição, na autopromoção e no
marketing. Uma cultura em que
a visibilidade de um autor, por
exemplo, é suficiente para tornar invisíveis as mediocridades
de sua autoria. Uma sociedade
em que a impostura pública e o
auto-engano recíproco substituem o autoconhecimento.
"Quem se tornou sábio sabe que
a felicidade de um indivíduo depende inteiramente daquilo que
ele mesmo é para si mesmo, enquanto não depende em nada
do que é na opinião alheia."
Uma cultura que cultiva a infelicidade, fingindo que é feliz.
A Arte de Ser Feliz
Die Kunst Glücklich Zu Sein
Autor: Arthur Schopenhauer
Tradução: Marion Fleischer e Eduardo
Brandão
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 12,50 (138 págs.)
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