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MÚSICA
Rapper da Cidade de Deus lança CD sob nova controvérsia e diz que filme de Fernando Meirelles é preconceituoso
MV Bill volta a atacar hipocrisia social
ISRAEL DO VALE
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
Cena 1, dezembro de 2000: o clipe de "Soldado do Morro" (garotos empunhando armas pelos becos da favela carioca da Cidade de
Deus) transporta o rapper carioca
MV Bill do noticiário cultural para o policial. Apologia ao crime,
dizia-se.
Cena 2, setembro de 2002: turbulência superada, Bill volta à carga em novo disco a partir do ponto em que parou. É o fim do armistício. O primeiro clipe da safra
atual, para a faixa "Só Deus Pode
me Julgar", atravessou momentos
tensos em sua gravação, com intercessão da polícia no hospital
em que as cenas de um parto foram registradas.
"Declaração de Guerra", o novo
disco, abre mais um capítulo na
saga do rapper "chapa-quente"
da Cidade de Deus. E reafirma o
pendor de Bill pela controvérsia.
Inclemente, volta a mirar na hipocrisia social, no atacado, para
acertar no incômodo individual
(moral, político, de classe), no varejo. É um provocador nato. "Sinto que estou mais agressivo que
no primeiro disco, mais questionador, mas meu discurso não é de
exclusão, é de inclusão."
"Declaração de Guerra" enfileira 14 novos cutucões. Começa por
"Soldado Morto", referência explícita a "Soldado do Morro"; termina com "Declaração de Guerra", uma saraivada de versos contra o discurso conciliador inócuo
e o mito da democracia racial brasileira.
Com bases musicais centradas
na black music brasileira
(Hyldon, Djavan, samba-rock) e
na apropriação de células da música "excluída" do mercado global
(de latino-americanos a franceses), Bill recusa-se a continuar bebendo na matriz padrão do rap
nacional, que vive escorado no
soul e no funk norte-americanos.
"Só Deus Pode me Julgar", ponto alto (musical) do disco, recorre
a arranjos de cordas -gravados
em estúdio, por uma orquestra de
13 músicos. "Cidadão Comum
Refém" o aproxima do rock, na
dobradinha com Chorão do
Charlie Brown Jr., única participação vocal de maior apelo -as
outras são as rappers K-mila e Nega Gizza, sua irmã. Reza o refrão:
"Quando o ódio dominar não vai
sobrar ninguém/ o mal que você
faz reflete em mim também".
A produção do CD estreita associações entre Bill, DJ Luciano, Rafa, Zé Gonzales e Daniel Ganja
Man -os dois últimos, soldados
do pelotão de frente no rap atual.
"Cidade de Deus"
Ao contrário de "Traficando Informação", o disco de estréia, totalmente contextualizado no universo da Cidade de Deus, este
"Declarando Guerra" não faz
menção à região, mote do longa-metragem de Fernando Meirelles
que estréia na próxima sexta.
Bill reluta em comentar o filme,
que reúne amigos como Paulo
Lins (autor do livro que lhe serve
de base) e Kátia Lund (co-diretora). Mas se assume como voz dissonante da recepção festiva, superlativa, disseminada até agora.
"Fiz uma pesquisa por aqui e
existe uma aversão ao filme", reporta. Para Bill, o longa de Meirelles tende a disseminar medo e a
estigmatizar os moradores, com a
generalização da imagem de que
favelado é bandido e de que favela
é terra de ninguém. "Ele não traz
nenhum benefício à Cidade de
Deus", diz. "E mostra um certo
preconceito sim, de que a favela é
a grande causadora da violência
nas grandes capitais", argumenta.
Ouça trechos da entrevista e da música
"Só Deus Pode me Julgar" na Folha
Online (Ilustrada Online)
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