São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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CRÍTICA

Autora de "América" é mestre às avessas

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando se pensar na história da telenovela dos anos 2000, digamos numa perspectiva de dez anos, vai ser ainda mais notável como as noções convencionais da narrativa estão sendo implodidas. Não em nome de experimentalismo, como algumas novelas tentaram nos anos 70, mas por um afrouxamento cada vez mais radical das noções de história, personagens etc.
As novelas de Glória Perez, nesse sentido, são a vanguarda desse processo. É notável a liberdade com que ela tece e esgarça as próprias tramas, e, em "América", mais uma vez, se pode observar como a autora é uma espécie de mestre às avessas. Que Sol e Tião, que nada! O casal começou errado e nunca se acertou. Os atores também não ajudaram e o descaso de Perez com a idéia de protagonistas fez o resto.
A novela virou de cabeça para baixo, subverteu expectativas e, voilá, recuperou audiência e, agora, está em patamares que a classificam como a segunda novela de maior audiência da história. Ou seja, de um gênero aparentado com o folhetim, que está na origem da idéia moderna de romance e que ganhou tons realistas ao longo das décadas de 70/ 80. A novela com o aval do público está abandonando a narrativa mais literária e se reinventando num formato menos linear, mas ainda mais sensacionalista.
Ou seja, desde que provoque a sensação certa e a adesão do público, passa a valer tudo na novela. Perez já havia percebido isso na "novela dos ciganos", mas vem se aperfeiçoando. "América", nesse sentido, por seu absoluto desprendimento de qualquer regra narrativa, é sua obra-prima, e o que aconteceu com idéias muito fundamentais da telenovela até agora, como a necessidade de tudo organizar diante de uma história de amor modelar, é o sintoma mais eloqüente.
E a pá de cal, no entanto, chama-se Cléo Pires. Numa combinação de sorte, talento e formosura, a moça está roubando a novela. A sorte é que, diante de uma heroína ambígua e mal definida, sua Lurdinha falsamente ingênua, uma sedutora a um tempo calculista e de uma irreverência invejável, se destacou imensamente. O talento responde pelas inflexões doce-amargas, pela inconseqüência juvenil combinada à sensualidade segura que soube imprimir à personagem e, não é demais assinalar, contrasta e muito com a atuação monótona de Deborah Secco. E, digamos, formosura é auto-explicativo.
Além disso, a alta voltagem erótica do caso Lurdinha-Glauco é, evidentemente, muito mais divertida do que o drama (?!?) de Sol como imigrante, que tem algo de anacrônico e deslocado, e a obsessão fantasmagórica de Tião com o tal Boi Bandido. Há outras subtramas que também roubam tempo e espaço que seria do casal central, há "factóides ficcionais" como a questão da pedofilia e da inclusão de deficientes, mas novela ainda é fantasia, e, nesse quesito, não há nada como uma história de amor.

@ - biabramo.tv@uol.com.br


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