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CRÍTICA
Autora de "América" é mestre às avessas
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando se pensar na história da telenovela dos anos
2000, digamos numa perspectiva
de dez anos, vai ser ainda mais
notável como as noções convencionais da narrativa estão sendo
implodidas. Não em nome de experimentalismo, como algumas
novelas tentaram nos anos 70,
mas por um afrouxamento cada
vez mais radical das noções de
história, personagens etc.
As novelas de Glória Perez,
nesse sentido, são a vanguarda
desse processo. É notável a liberdade com que ela tece e esgarça
as próprias tramas, e, em "América", mais uma vez, se pode observar como a autora é uma espécie de mestre às avessas. Que Sol
e Tião, que nada! O casal começou errado e nunca se acertou. Os
atores também não ajudaram e o
descaso de Perez com a idéia de
protagonistas fez o resto.
A novela virou de cabeça para
baixo, subverteu expectativas e,
voilá, recuperou audiência e,
agora, está em patamares que a
classificam como a segunda novela de maior audiência da história. Ou seja, de um gênero aparentado com o folhetim, que está
na origem da idéia moderna de
romance e que ganhou tons realistas ao longo das décadas de 70/
80. A novela com o aval do público está abandonando a narrativa
mais literária e se reinventando
num formato menos linear, mas
ainda mais sensacionalista.
Ou seja, desde que provoque a
sensação certa e a adesão do público, passa a valer tudo na novela. Perez já havia percebido isso
na "novela dos ciganos", mas
vem se aperfeiçoando. "América", nesse sentido, por seu absoluto desprendimento de qualquer regra narrativa, é sua obra-prima, e o que aconteceu com
idéias muito fundamentais da telenovela até agora, como a necessidade de tudo organizar diante
de uma história de amor modelar, é o sintoma mais eloqüente.
E a pá de cal, no entanto, chama-se Cléo Pires. Numa combinação de sorte, talento e formosura, a moça está roubando a novela. A sorte é que, diante de uma
heroína ambígua e mal definida,
sua Lurdinha falsamente ingênua, uma sedutora a um tempo
calculista e de uma irreverência
invejável, se destacou imensamente. O talento responde pelas
inflexões doce-amargas, pela inconseqüência juvenil combinada
à sensualidade segura que soube
imprimir à personagem e, não é
demais assinalar, contrasta e
muito com a atuação monótona
de Deborah Secco. E, digamos,
formosura é auto-explicativo.
Além disso, a alta voltagem
erótica do caso Lurdinha-Glauco
é, evidentemente, muito mais divertida do que o drama (?!?) de
Sol como imigrante, que tem algo de anacrônico e deslocado, e a
obsessão fantasmagórica de Tião
com o tal Boi Bandido. Há outras
subtramas que também roubam
tempo e espaço que seria do casal
central, há "factóides ficcionais"
como a questão da pedofilia e da
inclusão de deficientes, mas novela ainda é fantasia, e, nesse
quesito, não há nada como uma
história de amor.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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