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"Música só existe ao vivo", diz Peyroux
A cantora, que faz shows no Rio e em SP em setembro, fala sobre a volta ao país e a dificuldade para achar a "canção certa'
Um dos mais importantes nomes do jazz atual, a norte-americana afirma gostar de pensar a "música em um contexto dramático"
Divulgação
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Madeleine Peyroux, que costuma ser comparada a Billie Holiday; cantora fará show no Via Funchal e no Teatro Municipal do Rio |
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quase dois anos e 1 milhão de
discos vendidos depois de sua
última apresentação em SP, em
novembro de 2005, a cantora
Madeleine Peyroux volta ao
Brasil para shows no Via Funchal, no dia 18 de setembro, e
no Teatro Municipal do Rio, no
dia 26 do mesmo mês, com a
turnê do seu novo álbum, "Half
the Perfect World".
Conhecida por sua interpretação melancólica de canções
que vão de antigos compositores de blues como Hank
Williams e W.C. Handy a
Leonard Cohen e Bob Dylan,
Peyroux criou um culto em torno de si também por sua personalidade atípica e abordagem
peculiar do lado "business" da
música: a cantora chegou a desaparecer por alguns dias em
2005 para fugir do esquema de
divulgação criado por sua gravadora, a Universal.
Por telefone, de Nova York,
simpática e falante, Peyroux
conversou com a Folha sobre
as lembranças do Brasil, a busca pelas músicas perfeitas e sua
preferência por cantar ao vivo.
FOLHA - O que você se lembra do
Brasil?
MADELEINE PEYROUX - O Brasil foi
o lugar para onde mais gostei de
viajar. Infelizmente, não consegui ver tanto quanto gostaria
do país na primeira vez que fui,
espero dessa vez ter mais tempo. Para mim, ir ao Brasil é algo
muito significativo, quero continuar indo e aprendendo.
Aprendi um pouco sobre música brasileira, mas não muito.
Fui a um show do Martinho da
Vila e gostei das canções e dos
sambas. Não aprendi muito sobre músicas, mas aprendi sobre
cachaça [risos]. No Rio, minha
maior experiência foi com um
motorista de táxi muito generoso, que dirigiu por duas horas
me mostrando a cidade. Em SP,
fiquei triste ao ver as favelas e
as pessoas na rua -me fez pensar como o Brasil pode ser tão
diferente dos EUA, considerando que não estamos tão longe.
FOLHA - Você costuma interpretar
canções de origens diferentes e é
sempre elogiada por colocar sua
personalidade nelas. É difícil encontrar as músicas certas para sua voz?
PEYROUX - Sim, é difícil encontrar a música certa. Gostaria de
ter mais tempo para procurar
as músicas e cantá-las mais.
Achar uma música da qual me
sinto próxima é difícil, mas entendo que faz parte do trabalho
de cantora estar sempre procurando a canção perfeita. Foi difícil fazer o disco, ouvi e escrevi
muitas músicas que acabaram
ficando de fora. Sei que trabalho em uma velocidade menor
que muitos outros artistas, que
sou um pouco devagar, mas é
que eu definitivamente gosto
de achar canções que sei que
vou cantar pro resto da vida.
FOLHA - O que há em comum entre
as diferentes músicas que canta?
PEYROUX - Talvez um monólogo introspectivo, questões sobre a vida. Todas as minhas
canções têm a mesma filosofia
de vida, quase sempre são questões. Essas são as minhas músicas favoritas. Gosto de cantar
sobre as questões, admitir que
não sei a resposta. Isso para
mim é ser filósofo, ser poeta: fazer perguntas, ao contrário de
buscar respostas.
FOLHA - Qual é a principal diferença entre ouvir seu disco e vê-la cantando em um show?
PEYROUX - O processo de gravação é muito diferente de cantar
ao vivo. Quando você está gravando, tenta criar uma conversa com quem está ouvindo, porque o cantor não existe sem público. Acho que cantar ao vivo é
uma coisa mais pura musicalmente. Podem acontecer erros,
imprevistos, você pode passar
vergonha, mas é o motivo pelo
qual fundamentalmente vivo.
FOLHA - Então você prefere tocar
ao vivo a gravar um disco?
PEYROUX - Com certeza. Gosto
de pensar na música em um
contexto dramático. A diferença entre um disco e música ao
vivo é como a diferença entre
um filme e uma peça: o filme
está ali, não muda, não importa
o que aconteça. No teatro você
tem a reação do público, que faz
com que tudo mude a cada noite. A música tem que ser ao vivo
para você entendê-la, é uma
forma de arte que existe ao vivo, tem que estar acontecendo
no momento. Ela existe em um
contexto de tempo e espaço, é
uma arte de performance. Não
há música sem audiência.
FOLHA - Existem artistas que não
gostam de se apresentar ao vivo.
PEYROUX - Se faço um som no
quarto, não é arte. Arte é comunicação. Tem gente que gosta
de fazer e ouvir música sozinho. Mas acredito que música
seja interação. Quando faço algo no palco e a platéia responde
-com um suspiro, qualquer
coisa assim-, cumpri minha
função. Sem platéia não tenho
razão para ser artista.
FOLHA - A sua música tem algo de
teatral? Um ator, quando está no
palco, está atuando -mas um cantor não é ele mesmo?
PEYROUX - Um ator também está sendo ele mesmo. E um músico pode estar atuando. É importante ver os dois lados. Nenhum músico pode cantar todas as emoções. Se eu fosse eu
mesma o tempo inteiro no palco seria entediante. Porque eu
pararia para tomar um café.
Desceria do palco para comentar com alguém do público que
gostei da roupa dele. Para um
show, você tem que ter a ilusão
do teatro, um personagem. Não
estou querendo dizer que uso
uma máscara, não coloco uma
máscara quando estou no palco. Mas todos os músicos estão
atuando. Precisamos entender
isso para entender essa forma
de arte. Precisamos da ilusão
para acreditar que é verdade.
FOLHA - Quando você canta e o público sente a tristeza de uma música,
você também se emociona?
PEYROUX - Sim, a audiência me
ajuda a criar o personagem.
Sinto a tristeza do público. Mas
sinto isso como uma intérprete. Senão eu pararia o show para chorar [risos]. Sei que alguém na audiência pode estar passando por um momento difícil e se emocionar. Tudo que
quero é cantar pra essa pessoa
sem saber que ela existe e sem
pedir nada em troca.
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