São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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Lima Jr. constrói filme pessoal, para o público

Com elementos biográficos, "Os Desafinados" assume "desafio" de fisgar espectador

Diretor diz que chegou à "maturidade no cinema" com longa que estréia amanhã e que "não existe só o Brasil da favela'; ele vê tolice na crítica


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O filme "Os Desafinados", de Walter Lima Jr., que estréia amanhã nos cinemas brasileiros, foi concebido em 6 de setembro de 1997, em Veneza.
Naquele dia, o diretor passeava pela praça San Marco, frustrado por saber que seu "A Ostra e o Vento", que disputava o Leão de Ouro, saía do Festival de Veneza sem prêmios do júri.
Vinda de um café na lateral da praça, a melodia de "Insensatez" chegou aos ouvidos de Lima Jr., 69, e o devolveu instantaneamente a um território conhecido, ou melhor, a dois -a bossa nova e o Brasil.

Rosto de mulher
Caminhando na direção do som, o diretor avistou um flautista de cabelos curtos e corpo miúdo. Chegou mais perto, até que "ele" se virou, revelando um belo rosto de mulher.
Essa cena foi transportada para "Os Desafinados", com as devidas licenças poéticas. A praça deu lugar ao Central Park, em Nova York. É lá que o pianista e compositor Joaquim (um Rodrigo Santoro vagamente inspirado em Tom Jobim) é atraído pelas notas de "Copacabana", tocadas pela flautista Glória Goldfaber (Cláudia Abreu, de cabelos curtos e semblante radiante).
O romance dos dois é um dos aspectos desse filme em que Lima Jr. retorna ao Brasil que sonhou ser moderno nos anos 60, "para falar de amizade", diz.
Joaquim integra um quarteto de bossa nova e compõe a trilha do filme cinemanovista "Bala Certeira", dirigido por seu amigo Dico (Selton Mello), que verá o longa ser decepado pela censura. Aqui, o diretor traz à trama elementos verídicos da trajetória de "Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha, que ele seguiu de perto.
Lima Jr. já havia se apoiado no cinema para exorcizar sua experiência com a perseguição no regime militar, quando fez "A Lira do Delírio" (1978).

"Maluco"
Para explicar o longo tempo que "Desafinados" levou para chegar às telas, ele elenca razões pessoais e práticas. Há, de um lado, certa vagareza intrínseca ao processo de reunir o orçamento (R$ 7,5 milhões) e diretores de marketing de empresas que usam as leis Rouanet e do Audiovisual para aplicar parte do Imposto de Renda devido em produção cultural.
Para Lima Jr., esse é um tipo de diálogo penoso. "Você fala sobre o filme que quer fazer e percebe a desconfiança [dos interlocutores]. Eles te olham como se você fosse um maluco. É doloroso. É cansativo", diz.
Por outro lado, o diretor contém seu próprio ritmo. "Meu nível de exigência foi sendo ampliado. Não me interessa me repetir, fazer o que já fiz. Celebro nesse filme minha maturidade em relação ao cinema."
Na relação de Lima Jr. com o cinema, o público é um ingrediente indispensável. "Cultivo o espectador que há em mim. Faço filme para o público", diz.
Nesse ponto, ele se distancia de diretores como Julio Bressane, que afirma fazer filmes para si mesmo, por achar vã a idéia de criar tendo em vista uma categoria abstrata como o público. "É uma coisa dele. Não discuto. Mas há um desafio em quem faz cinema para muita gente. É um prazer saber que você se doou para o outro. Espero que qualquer um que faça filme para o próprio umbigo sinta isso", diz Lima Jr.
Na esfera da crítica, Lima Jr. observa no país "uma disfunção, que é celebrar a inexperiência e a pura e simples investigação como sendo um grande evento". Acha "ingênuo e tolo" tratar o Brasil "como se fosse um laboratório de linguagem" e diz que, "para se fazer um filme de arte aqui, basta uma coisa: ser o primeiro filme".
Quanto à vertente atual de filmes que tematizam a miséria, o diretor avalia que eles "folclorizam a nossa identidade no exterior".
Acha que esses filmes "não são tão para o umbigo, mas para o mercado internacional". "Mas não existe só o Brasil da "comunidade" [da favela]", diz. Ao país em que vivem "Os Desafinados", Lima Jr. fez sua "confissão de afetividade".


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