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GOSTEI
Crítica/"Anticristo"/Gostei
Lars von Trier investe no mal-estar em filme único
Diretor dá um tom de algo alienígena aos elemento s de sempre do horror
KLEBER MENDONÇA FILHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
N
o último Festival de
Cannes, Lars von Trier
espalhou uma série de
"aspas" cínicas ao mostrar seu
"Anticristo". "Eu sou o melhor
cineasta do mundo" foi a mais
popular, embora uma outra tenha chamado menos atenção.
"Anticristo...", escreveu no
material de imprensa, "foi feito
com aproximadamente 50% da
minha inteligência habitual". A
obra seria ainda fruto de uma
dura fase pós-depressão...
A teoria dos 50% não só renova o calculismo aberto de
Von Trier para com o que filma
(fonte de irritação para muitos), como explica a primeira
sensação, durante a projeção,
de que vemos as brutas do filme
que teriam sido vagamente editadas. Esse meio-filme é falado
na língua da psico-bobagem
por marido e esposa (Willem
Dafoe e Charlotte Gainsbourg),
isolados numa cabana fabular
após a perda do filho.
No entanto, algo ocorre durante essa obra de pés tortos e
poucos amigos. Percebemos
forças não catalogadas num cinema de gênero (o do horror)
via autor incomum. São os delírios potentes de um anormal,
seus personagens, bonecos de
macumba que ele fura com
grande alegria.
Von Trier, que inspirou sensações de apocalipse em obras
que usavam a mulher como
portadora do amor -"Ondas do
Destino", "Dançando no Escuro", "Dogville"- está, enfim, livre para investir apenas no
mal-estar mono. Isso talvez explique o fato de "Anticristo" ser
40 ou 60 minutos mais curto do
que os outros.
Esse olhar é notável ao vermos o realizador dar um tom
algo alienígena aos elementos
de sempre no gênero. O prólogo, uma publicidade espetacular de xampu, atualiza a abertura de "Inverno de Sangue em
Veneza", de Nicolas Roeg. A cabana lembra "A Morte do Demônio", de Sam Raimi.
No entanto, "Anticristo" irá
seguir o caminho da mulher,
que Gainsbourg obedece com
fervor em elos femininos insuspeitos com a obra de José Mojica Marins. Essa mãe, uma das
várias fêmeas-bicho do filme
(todas com crias mortas), é o
horror da natureza e instrumento astucioso de Satanás. A
personagem, seguindo desígnios do autor, irá abrir a caixa
de ferramentas para punir o
prazer e a sexualidade. A plateia cruza as pernas.
Em Cannes, esse filme único
gerou reações típicas no cinema extremo. Espectadores deixaram a sala no que mais pareciam atos políticos irados. Parecem não saber que o cinema
de horror tem essa função há
muito tempo, e que, para alguns artistas, xingamentos
soam como música erudita.
ANTICRISTO
Direção: Lars von Trier
Com: Willem Dafoe, Charlotte
Gainsbourg
Onde: Cine Bombril, Cinema da Vila, Kinoplex Itaim e circuito
Classificação: 18 anos
Avaliação: bom
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