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CINEMA ESTRÉIAS
'Hana-Bi' confronta a violência e o vazio
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Takeshi Kitano é um desses cada
vez mais raros factótuns do cinema. Dirigiu, escreveu, montou e
protagonizou "Hana-Bi". De passagem, ganhou o Festival de Veneza 98 e aplausos gerais da crítica
européia e americana.
Estranha unanimidade para um
filme difícil, cujo centro é a estruturação das sequências numa ordem que desobedece a organização linear, embora nem por isso
busque a não-linearidade.
Sua história pode ser assim resumida: o policial Nishi deixa de participar de uma incursão aos redutos da Yakuza (a máfia japonesa)
para visitar a mulher, que tem leucemia, em um hospital. Durante a
batida, seu colega Horibe é baleado e torna-se paraplégico.
A partir daí, os destinos de Nishi
e Horibe se confrontam. Enquanto o primeiro arrasta a dor da mulher à beira da morte e endivida-se
com a Yakuza, Horibe sofre em
uma cadeira de rodas. Isso até que
Nishi decide assaltar um banco,
para arranjar dinheiro para uma
viagem com a mulher e acertar as
contas com a Yakuza.
Como se trabalhasse pensando
em Eisenstein, Kitano não desenvolve toda a ação. Sugere-a. Trabalha seus interstícios: quadros estáticos que se juntam como ideogramas. O próprio título é sintomático. "Hana-Bi" associa as
idéias de flores (que Horibe pinta
em sua solidão) e armas (que Nishi
usa). Flores junto a armas terá o
sentido de fogos de artifício.
A função do ideograma, retomada por Eisenstein no cinema mudo, é essa: duas imagens criam
uma terceira, que sintetiza as anteriores, mas as ultrapassa.
O princípio, interessantíssimo,
dá a Kitano um lugar original no
cinema contemporâneo, o que
não impede o espectador de sentir-se excluído (sobretudo no início) da narrativa e, portanto, de
sua reflexão sobre dor e violência.
O filme ganha mais fôlego na segunda metade, quando Nishi organiza sua vingança contra a Yakuza e o mundo. Essa segunda metade poderia, no mais, ser vista como um sofisticadíssimo "Desejo
de Matar" ou "O Passageiro da
Chuva" (que era um "Desejo de
Matar" metido a besta, estrelado
pelo mesmo Charles Bronson).
Tudo o que em "Desejo" é um
apelo à ordem quase fascista aqui
se transfigura na necessidade de
Nishi de viver e dar vida às pessoas
amadas. Como, é claro, não possui
esse dom, Nishi o ritualiza: os fogos de artifício surgem como expressões de um vazio. Nele, entra a
ação não como resgate desse vazio
-irresgatável-, mas como um
movimento que, à falta de sentido,
dá à existência sabor.
"Hana-Bi" é um filme por vezes
estranho, por vezes familiar.
Quando sua idéia consegue ser
plenamente percebida, entusiasma. Em outros momentos, ameaça ficar enfadonho. Nunca vulgar.
Filme: Hana-Bi (Fogos de Artifício)
Produção: Japão, 1997
Direção: Takeshi Kitano
Com: Takeshi Kitano, Kayolo Kishimoto
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema - sala 2
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