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DISCO/LANÇAMENTO
"THE ID"
Cantora e letrista norte-americana apresentará novo CD no Free Jazz
Em segundo CD, Macy Gray, 31, volta a convulsionar o soul
DA REPORTAGEM LOCAL
"The Id" é "o que você faz
antes de pensar, o verdadeiro você, não editado", explica
o furacão Macy Gray, 31, no estojo
de seu segundo CD, recém-lançado no mundo e no Brasil. "The
Id" é o que a cantora e letrista norte-americana (que estará aqui em
outubro, no festival Free Jazz)
pretende fazer com sua soul music pesada, de ligação direta com
black music tipo Stax/Motown,
sem ponto de parada na cultura
hip hop pós-anos 80.
Surgindo na sequência do bem
mais tranquilo "On How Life Is"
(99), "The Id" quer fazer de Gray
uma "natural woman", daquelas
que falam -cantam- tudo que
pensam, sem hesitações. "Você
está se relacionando com uma
psicopata", dispara já na primeira
faixa, "Relating to a Psychopath".
Ao longo do disco, dirá que é
linda -"especialmente quando
tiro a roupa"- (na espetacular
"Boo"), explicará que quer sexo,
não romance (em "Harry"),
ameaçará matar o homem que
não lhe der "todo o seu amor"
("Gimme All Your Lovin" or I Will
Kill You"), cada hora uma coisa.
Gray vive na Califórnia, bem
longe de Nova York, o que a afasta
do hip hop e do rhythm'n'blues
urbano e mundano da maioria
das cantoras negras de sua geração. E é o que a aproxima de um
estilo peculiar de soul music, psicodélico, de flerte com o "psicofunk" do Funkadelic e até com a
caquética disco music.
"Sexual Revolution" é o melhor
exemplo disco-funk. Começa
enigmática, com violinos, soul à
Aretha Franklin e Gray lembrando: "Sua mãe lhe disse para ser
discreta/ e guardar suas manias
com você/ mas ela mente o tempo
todo". Dito isso, vira discothèque
hedonista malvada, e a musa rebelde avisa: "Você tem que fazer
de tudo/ antes que morra". É o hedonismo vazio da discothèque,
mas é Gray fazendo política do
corpo, sem concessões.
E há a voz, estranhíssima.
Quando criança, Gray resolveu
parar de falar, de tanto que os colegas de escola zombavam de seu
timbre de Pato Donald. Hoje, a
política do corpo vem da voz
-ela sempre soube que cantava
bem, muito bem. De mais a mais,
o timbre esquisito não deixa de
tributar e continuar a voz rascante
de Tina Turner. É o que lhe dá
cancha para colocar a queridinha
Erykah Badu no chinelo, fazendo
não muito mais que vocais de
fundo na saborosa "Sweet Baby".
O roteiro, por fim, dá asas ao
manifesto id de Gray, estabelecendo alguma confusão temática
em tom "falo o que bem quiser".
Assim, "Relating to a Psychopath" é rock-soul, chega a lembrar Rolling Stones. "Boo" é "mellow soul", lembra Curtis Mayfield e chega a lembrar Lou Reed.
A hippie "Hey Young World"
dá o primeiro torção, em discurso
meio moralista e tratamento musical infantilóide, tipo corinho de
crianças e "não desrespeite mamãe". É uma evidente ironia com
a anterior "Sexual Revolution".
Daí em diante o rhythm'n'blues
de fossa toma conta do disco, até
que Angie Stone e Mos Def venham participar de "My Nutmeg
Phantasy", meio soul, meio gospel, meio festiva. "Freak Like Me"
é outro flagrante soberbo da política física: "Fizemos amor até meu
corpo doer", "estou feliz por você
ser tão "freak" como eu".
"Oblivion", "festa dos corações
partidos", faz o último torção,
com arranjo de cabaré, bem Bertolt Brecht & Kurt Weill, e letra de
franco pessimismo. O épico soul
"Forgiveness" vem avisar que logo vai acabar, mas não há perigo.
Macy Gray está apenas começando, corajosa e inimiga dos clichês.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
The Id
Artista: Macy Gray
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 25, em média
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