São Paulo, sexta-feira, 28 de setembro de 2001

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DISCO/LANÇAMENTO

"THE ID"

Cantora e letrista norte-americana apresentará novo CD no Free Jazz

Em segundo CD, Macy Gray, 31, volta a convulsionar o soul

DA REPORTAGEM LOCAL

"The Id" é "o que você faz antes de pensar, o verdadeiro você, não editado", explica o furacão Macy Gray, 31, no estojo de seu segundo CD, recém-lançado no mundo e no Brasil. "The Id" é o que a cantora e letrista norte-americana (que estará aqui em outubro, no festival Free Jazz) pretende fazer com sua soul music pesada, de ligação direta com black music tipo Stax/Motown, sem ponto de parada na cultura hip hop pós-anos 80.
Surgindo na sequência do bem mais tranquilo "On How Life Is" (99), "The Id" quer fazer de Gray uma "natural woman", daquelas que falam -cantam- tudo que pensam, sem hesitações. "Você está se relacionando com uma psicopata", dispara já na primeira faixa, "Relating to a Psychopath".
Ao longo do disco, dirá que é linda -"especialmente quando tiro a roupa"- (na espetacular "Boo"), explicará que quer sexo, não romance (em "Harry"), ameaçará matar o homem que não lhe der "todo o seu amor" ("Gimme All Your Lovin" or I Will Kill You"), cada hora uma coisa.
Gray vive na Califórnia, bem longe de Nova York, o que a afasta do hip hop e do rhythm'n'blues urbano e mundano da maioria das cantoras negras de sua geração. E é o que a aproxima de um estilo peculiar de soul music, psicodélico, de flerte com o "psicofunk" do Funkadelic e até com a caquética disco music.
"Sexual Revolution" é o melhor exemplo disco-funk. Começa enigmática, com violinos, soul à Aretha Franklin e Gray lembrando: "Sua mãe lhe disse para ser discreta/ e guardar suas manias com você/ mas ela mente o tempo todo". Dito isso, vira discothèque hedonista malvada, e a musa rebelde avisa: "Você tem que fazer de tudo/ antes que morra". É o hedonismo vazio da discothèque, mas é Gray fazendo política do corpo, sem concessões.
E há a voz, estranhíssima. Quando criança, Gray resolveu parar de falar, de tanto que os colegas de escola zombavam de seu timbre de Pato Donald. Hoje, a política do corpo vem da voz -ela sempre soube que cantava bem, muito bem. De mais a mais, o timbre esquisito não deixa de tributar e continuar a voz rascante de Tina Turner. É o que lhe dá cancha para colocar a queridinha Erykah Badu no chinelo, fazendo não muito mais que vocais de fundo na saborosa "Sweet Baby".
O roteiro, por fim, dá asas ao manifesto id de Gray, estabelecendo alguma confusão temática em tom "falo o que bem quiser". Assim, "Relating to a Psychopath" é rock-soul, chega a lembrar Rolling Stones. "Boo" é "mellow soul", lembra Curtis Mayfield e chega a lembrar Lou Reed.
A hippie "Hey Young World" dá o primeiro torção, em discurso meio moralista e tratamento musical infantilóide, tipo corinho de crianças e "não desrespeite mamãe". É uma evidente ironia com a anterior "Sexual Revolution".
Daí em diante o rhythm'n'blues de fossa toma conta do disco, até que Angie Stone e Mos Def venham participar de "My Nutmeg Phantasy", meio soul, meio gospel, meio festiva. "Freak Like Me" é outro flagrante soberbo da política física: "Fizemos amor até meu corpo doer", "estou feliz por você ser tão "freak" como eu".
"Oblivion", "festa dos corações partidos", faz o último torção, com arranjo de cabaré, bem Bertolt Brecht & Kurt Weill, e letra de franco pessimismo. O épico soul "Forgiveness" vem avisar que logo vai acabar, mas não há perigo. Macy Gray está apenas começando, corajosa e inimiga dos clichês.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


The Id
    
Artista: Macy Gray
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 25, em média



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