São Paulo, terça-feira, 28 de setembro de 2004

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Um abraço do espaço

Divulgação
Vista de uma das 35 diferentes Anthropologies instaladas nos EUA


Arquiteto norte-americano investe em psicologia, artes e sociologia para criar identificação cultural

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Qual é a chave para uma loja vender bem os seus produtos? Anunciar? Colocá-los numa ordem tal que a camisa puxe a gravata, que puxe o cinto, que puxe o sapato, que puxe a meia etc.?
Ron Pompei, 57, arquiteto americano que trabalhou recentemente para redes como Levi's, Urban Outfitters e a sofisticada loja de móveis e roupas femininas Anthropologie, acha que não: o segredo é dar liberdade ao cliente.
Misturando noções de psicologia, antropologia, artes, arquitetura e design, Pompei vem descartando alguns dos preceitos do marketing atual, que acusa de tratar as pessoas como "burras" e "homogêneas", em favor de uma disposição mais "visceral" dos espaços. O cliente precisa sentir empatia pelo lugar, identificar-se.
Uma mulher que entra na Anthropologie do SoHo, em Nova York, por exemplo, não vai (só) zapear pelas dezenas de vestidos, móveis e bugigangas aleatoriamente espalhadas pela loja. Na concepção de Pompei, ela vai sentir os cheiros, tocar as texturas, evocar as diferentes histórias presentes em cada um dos objetos -à venda ou não. Em uma palavra, vai ter uma experiência.
Além de uma convicção pessoal de Pompei, a proposta vai de encontro ao fenômeno descrito no livro "The Cultural Creatives", do sociólogo Paul H. Ray, como a ascensão dos "criativos culturais". Representando 50 milhões de pessoas só nos EUA, esse grupo é formado por pessoas na faixa dos 40 anos cujas preocupações incluem ambientalismo, povos estrangeiros, idealismo, autenticidade. "No geral os criativos culturais são uma terceira força política, e esquerda x direita não serve para descrevê-los", escreve.
Construídos com elementos de culturas ancestrais (maias, gregos, aborígenes) ou objetos do século passado, esses espaços construídos por Pompei tentam falar diretamente ao "senso de aventura e exploração" especialmente nas mulheres dessa faixa etária.
E como funciona. Nos últimos cinco anos, as vendas da rede Anthropologie, criada em 1992 e com 35 unidades espalhadas pelos EUA, todas desenhadas de acordo com características específicas da comunidade local onde estão instaladas, cresceram 40% ao ano. "É como um oásis numa área urbana, um lugar onde as pessoas gostam de entrar e andar. E quanto mais tempo estiverem lá, se relacionando com o lugar, é mais provável que encontrem algo que queiram levar para casa e tornar parte de sua vida", afirma o arquiteto, que vem sendo requisitado para criar "transformações" semelhantes para clientes tão distintos quanto o Discovery Channel, a Academia de Ciências da Califórnia e a revista "Fortune", para quem criou a ambientação do Fortune 500, encontro das maiores empresas do momento.
Nesta quinta-feira, Pompei participa da conferência "Arquitetura da Globalização", em Campinas, a convite do psicanalista Jorge Forbes. Antes de passar para a entrevista que ele concedeu à Folha, por telefone, um último dado: depois de repaginada por sua agência, a Pompei A.D., o faturamento da cadeia de roupas e acessórios para jovens Urban Outfitters cresceu 313% no primeiro quarto de 2002, comparado ao mesmo período no ano anterior. Sem um centavo gasto com agências de publicidade.
 

Folha - De onde vem a inspiração para o trabalho na Anthropologie?
Ron Pompei -
Sempre me interessei por sociologia, antropologia, arqueologia. Viajei muito para visitar culturas diferentes, desde os templos no Sri Lanka, Camboja, península do Yukatan, Grécia. O que eu sentia quando ia a esses lugares é que o que importava era a experiência que eu estava tendo. De um lugar específico, que tinha uma história que era bastante tátil, visceral, imediata. Não era uma abstração, não era algo desenhado pelo bem do design. Havia uma história que era contada à medida que você andava pelo lugar. Então percebi que deveria fazer espaços que fossem bastante expressivos, como uma escultura, mas que também o abrigassem como uma obra de arquitetura. Arquitetura é algo que te abraça. É importante como o espaço pode mudar o seu estado de espírito, com elementos que provocam sua imaginação.

Folha - Como vê essa tendência em oposição ao design de ambientes mais em voga hoje?
Pompei -
O que acontece em muitas lojas é que os corredores estão colocados em linhas retas, como uma grade cartesiana. Nunca faço isso. Você não tem que caminhar de modo previsível dentro de um espaço. Pode encontrar seu próprio caminho. O motivo de as pessoas gostarem da Anthropologie é porque ativa sua imaginação, e elas começam a conectar os diferentes elementos do modo que quiserem. Apesar da variedade de texturas, há uma harmonia, como uma tapeçaria. E as pessoas vão conectando pontos diferentes de seu interesse. Aplicam a imaginação e se tornam autoras de sua própria experiência.

Folha - Experiência é uma das expressões que mais têm sido usadas no marketing hoje...
Pompei -
É a palavra do momento! O que é realmente uma pena, porque essas palavras perdem seu significado por isso. O único jeito de manter o pé no chão é privilegiando não a sua mensagem mas a experiência do visitante. Em outras palavras: a experiência deles é primordial, não a sua mensagem. Se você cria uma experiência autêntica e relevante para alguém, está servindo a essas pessoas. E isso, no final, é mais poderoso do que martelar na cabeça dele com outra mensagem dizendo: "Ei, isso aqui é uma experiência". O McDonald's está tentando dizer que a comida deles é boa para você, mas o cara que filmou [o documentário] "Super Size Me" ganhou 12 quilos em um mês!
Quando falam em experiência, há os que a estão usando apenas como mais uma palavra do marketing. Você tem de se colocar no lugar, tem de buscar empatia antes de saber sua motivação. A maioria do mundo dos negócios está olhando as coisas analiticamente, levantando números, fazendo planilhas. No lugar de se perguntar qual é a experiência real, eles pensam de um ponto de vista logístico, operacional.
Há lugares que são ótimos para as mercadorias, mas terríveis para as pessoas. Não há espaço para abraçar a humanidade. Mas há espaço para entulhar mais commodities. Você vai a um supermercado nos EUA e encontra 40 marcas de pasta de dente. Eu não preciso de 40 marcas. Me faça um favor e diga quais são as 12 melhores. Daí eu escolho.

Folha - Que importância há em conhecer a cultura local para descobrir os desejos do público?
Pompei -
Há um conceito de identidade corporativa muito limitado. Podemos ver 10 mil tonalidades de verde e ainda assim sabemos o que é uma árvore, enquanto as marcas tentam nos dizer que, se não se mantiverem as mesmas aonde quer que forem, não serão reconhecidas. Estão dizendo que você é burro, que, se eu usar um casaco preto num dia e trocar no outro, você não vai me reconhecer. Nós gostamos de variedade, de nuances, de sutilezas, de coisas que fazem a vida interessante. Se você está em Seattle, vai se vestir de forma bem diferente de quem está em South Beach, na Flórida. E os marqueteiros pensam no mercado como algo além deles próprios. Eles se perguntam sempre o que o público quer, como se não fossem parte do público. As pessoas sempre me perguntam qual é a próxima tendência. E eu respondo: "Do que você gosta? Talvez seja essa a nova tendência". Faça algo por você, porque as pessoas que compartilham os mesmos valores vão aparecer.

Folha - E, na sua opinião, quais são esses valores?
Pompei -
Eu aprecio cultura, mas outros podem gostar de ciência, história, sei lá. Os tempos mudaram muito desde que os meios de massa surgiram. Há tantas coisas a se apontar, pessoas querendo mais transparência nas corporações. A Califórnia perdeu 9 bilhões na Enron. Desde o 11 de Setembro o sangue das pessoas vale mais. Elas não querem algo frio, abstrato, querem algo mais quente, seguro, pé no chão. Suas famílias valem mais para elas agora.


PALESTRA COM RON POMPEI. Onde: Espaço Cultural CPFL (r. Figueiredo Corrêa, 1.632, Campinas, SP). Quando: quinta, às 19h. Informações pelo telefone 0/xx/19/3756-8000.


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