São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 2005

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"Ampliação não criará gastos", defende Júlio Neves

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há dez anos como presidente do Masp, o arquiteto Júlio Neves, 73, afirma que sua prioridade tem sido "a coleção do museu". Agora, com a pretendida expansão para o prédio ao lado, Neves busca cuidar melhor do setor educativo. "Essa era uma iniciativa pioneira do [Pietro Maria] Bardi e, desde que nos mudamos para cá, não temos o espaço adequado."
Crise não é palavra que sai da boca de Neves. Para ele, o museu está superavitário e, com a expansão, irá triplicar sua área, contando a galeria Prestes Maia, no centro, que terá o Museu da Moda.
Umas das críticas à sua gestão tem sido o zelo pela parte estrutural e o descuido da programação, que nem sequer tem curadores. "Estamos estudando a contratação de curadores", afirma Neves.
O arquiteto falou com a Folha sobre as polêmicas criadas por seu projeto expansionista. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - É verdade que o Masp tem um déficit anual de R$ 1 milhão, pois gasta R$ 6 milhões enquanto arrecada R$ 5 milhões?
Júlio Neves -
Não é verdade. Eu disse ao [Carlos Augusto] Calil [secretário municipal da Cultura] que gastamos cerca de R$ 6 milhões e que, em 2004, ficou faltando pouco, tanto que no balanço tivemos superávit de R$ 143 mil entre o que gastamos e recebemos.

Folha - O museu é superavitário?
Neves -
Não, no começo do ano é difícil. No dia 31 de dezembro nós tínhamos um superávit, mas temos coisas a receber e a pagar. Vivemos num regime de tolerância.

Folha - Calil, em entrevista à Folha, disse que as dívidas do Masp são pequenas e que o município poderia pagá-las, desde que o museu fosse mais democrático. Acha que o Masp não é democrático?
Neves -
Não acho isso. As pessoas que dirigem o Masp são como testamenteiros. O museu foi fundado por 30 pessoas, que foram os doadores da maior parte da coleção, e esses doadores impuseram um tipo de administração que precisa buscar seus recursos de sobrevivência. Não temos uma renda, como certas fundações têm, vivemos de performance. Nós seguimos o modelo daqueles que nos criaram.

Folha - Agora o Masp comprou o prédio aqui do lado...
Neves -
Sim, mas para isso tivemos patrocínio específico, fizemos um acordo que garante tanto as parcelas pagas como as que ainda serão pagas. No prédio, não foram usados incentivos fiscais.

Folha - Foram pagos R$ 8,6 milhões e faltam R$ 3,6 milhões?
Neves -
Sim, mas não tem importância, está tudo assegurado pelo patrocinador.

Folha - A Vivo é a patrocinadora?
Neves -
Isso eu não posso dizer, pois o patrocinador não quer ser identificado.

Folha - Quanto vai custar a construção da torre?
Neves -
Estamos em função do projeto que será acertado, mas já temos patrocínio para fazer grande parte da obra e outras promessas de patrocínio, vinculadas a isso. Se você me perguntar por quê, vou dizer o seguinte: as empresas, hoje, estão dando mais valor para aquilo que possa ficar em caráter de longo prazo. A Tim fez o auditório do Ibirapuera, a Abril construiu um teatro, e o Pão de Açúcar, uma fonte. Há outros exemplos. Já as exposições têm duração limitada, com caráter curto. Buscamos um novo modelo.

Folha - Mas isso não vai só aumentar os custos do Masp?
Neves -
Não, porque queremos fazer lá uma escola de criatividade e já temos oferta de parcerias com duas ou três universidades. Claro que o Masp jamais faria algo sem ter o controle de qualidade, mas não vamos cuidar da administração, pois aí teríamos que aumentar o número de funcionários. Muito provavelmente, isso trará um resultado que, para nós, mesmo que empate, é a nossa função.

Folha - O Compresp já vetou a obra no prédio ao lado. Como fica o patrocinador, caso a obra seja de fato proibida?
Neves -
Estamos discutindo no Compresp uma parte do projeto, que é o mirante, mas o resto está aprovado. O órgão aprovou o prédio como está, e tanto o Iphan como o Condephaat já aprovaram tudo. Mas temos mantido contato com o Compresp e não quero entrar no juízo de valor. Espero que eles não venham a prejudicar o museu. Com a galeria Prestes Maia e o novo prédio, vamos triplicar nossa área, ampliação que não acontecia desde 1968. Se a gente quisesse crescer, não tinha para onde. Agora, se você olhar esse prédio ao lado, ele está abandonado há dez anos e representa um retrocesso à imagem da avenida Paulista. Se fosse qualquer outro particular que fosse fazer, todo mundo iria aplaudir.

Folha - Arquitetos do IAB, como a representante da entidade no Compresp Mônica Junqueira de Camargo, defendem que o Masp promova um concurso para escolher o projeto a ser construído no prédio ao lado. O que o senhor acha disso?
Neves -
Não sou contra concurso. Apenas nesse caso específico, quando começamos a trabalhar nisso, quatro anos atrás, não havia hipótese de fazer um concurso. Em primeiro lugar, meu escritório deu o projeto de graça, para que isso desse uma possibilidade de o Masp conseguir o prédio. Fizemos isso para obter os parâmetros, que a prefeitura fornece. Agora é difícil realizar o concurso e não nos sentiríamos confortáveis em abrir um concurso dizendo que quem ganhar não vai receber nada, tem que doar!

Folha - Há arquitetos que dizem que o senhor está advogando em causa própria ao propor um projeto de sua autoria ao lado do prédio de Lina Bo Bardi....
Neves -
Quem me conhece sabe que não preciso disso. Fiz mais de 500 prédios na cidade.

Folha - O senhor cuida muito da parte estrutural do museu, mas a programação e as exposições não estão abandonadas?
Neves -
Se amanhã recebermos uma grande doação, não teríamos para onde expandir. No máximo, dez museus do mundo têm a coleção que nós temos. Veja só, o MoMA de Nova York fez uma expansão e, dos 58 mil m2 que ele ficou, 11.600 m2 são para exposições, ou seja, 20%. Os outros 80% são para restauro, pesquisa, atividades que complementam a atividade do museu, como ensino. Nossa prioridade, nos últimos dez anos, tem sido a coleção. Nesse período, restauramos cem obras. Com a expansão, vamos poder cuidar do setor educativo, que era o que o Bardi fazia e era extremamente importante em seu período.

Folha - Mas o MoMA tem 30 curadores e o Masp nenhum!
Neves -
Isso eu não queria adiantar, mas estamos com um grupo de trabalho para secionar curadorias em função do que a gente pretende. Mas, se não tivéssemos esses novos espaços, não teríamos condições. Agora, estamos estudando a contratação de curadores, pois temos consciência da responsabilidade que temos.


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