|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Babel" tinha tudo para fracassar", diz Iñárritu
"Fazer um filme para mim é como uma batalha, uma guerra. Nunca há dinheiro que chegue, sempre me falta tempo", diz o diretor
Cineasta mexicano fala sobre filme que está cotado para ser indicado ao Oscar
DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Na entrevista a seguir, o cineasta mexicano Alejandro
González Iñárritu fala à Folha
de seu novo filme, do Oscar e
de solidão.
FOLHA - De "Amores Brutos"
(2000) para "Babel" (2006), o sr. deixou de ser um cineasta mexicano filmando em seu país, com atores mexicanos, e passou a ser um nome valorizado em Hollywood, diretor de
astros como Brad Pitt. Como essa diferença em sua carreira se reflete na
experiência de filmar?
ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑÁRRITU -
Foram experiências muito similares. Não penso em termos
de se são famosas ou não as pessoas com quem estou trabalhando. Fazer um filme para
mim é como uma batalha, uma
guerra. Nunca há dinheiro que
chegue, sempre me falta tempo, sinto uma profunda solidão,
sofro muito filmando, mas, felizmente, tenho uma grande liberdade.
Esse processo foi muito parecido em todos os filmes. Os cenários mudam. Os orçamentos
são maiores, mas as limitações,
tanto emocionais quanto físicas, e os predicados que eu possa ter são idênticos. Então, a experiência foi sempre a mesma,
de uma total liberdade, uma
profunda solidão e um grande
sofrimento.
FOLHA - Se sofre tanto, por que
continua filmando?
IÑÁRRITU - Nós cineastas temos
um problema que é uma espécie de lobotomia que fazemos
em nós mesmos quando terminamos um filme. É algum mecanismo de defesa pelo qual extirpamos da memória toda a
dor e o sacrifício que custou fazer aquele filme.
Ser diretor é uma profissão
solitária e humilhante. A imagem do diretor tornou-se superficial e glamourizada, mas,
quando você faz filmes pessoais, de assuntos difíceis, próximos a você, dolorosos, há
uma carga emocional, espiritual e física que você carrega ao
filmar. E esse processo não é
prazeroso.
Há momentos em que obviamente eu me sinto pleno e tenho prazer. Não sou masoquista, embora tenha algo de masoquista nisso tudo. Para ser diretor de cinema, é preciso ter
uma atitude na vida, é como ser
toureiro. É preciso nascer com
essa loucura e estar meio louco
para fazer cinema. Pelo menos
esse tipo de cinema.
FOLHA - Quando lançou "Amores
Brutos", não falava ainda numa trilogia. Quando definiu que seriam
três filmes sobre o mesmo tema e
qual é esse tema?
IÑÁRRITU - Tive a idéia da trilogia antes de começar a filmar
"21 Gramas" [2003]. Pensei
nesse conceito de explorar a
história de pais e filhos primeiro no México, numa abordagem local ["Amores Brutos"],
depois nos Estados Unidos, de
uma perspectiva estrangeira
["21 Gramas"] e terminar com
uma perspectiva global ["Babel"]. Teria assim um mesmo
discurso, de três perspectivas
diferentes.
FOLHA - O sr. a define então como
uma trilogia sobre pais e filhos?
IÑÁRRITU - Exatamente.
FOLHA - Não seria também uma
trilogia sobre a perda?
IÑÁRRITU - Eu acho que a perda
é o tema principal de "21 Gramas", a paixão desmedida é o
tema central de "Amores Brutos" e a compaixão e as linhas
de fronteira são o tema central
de "Babel".
FOLHA - Parte da crítica enxerga
em "Babel" uma submissão da história à estrutura narrativa de linhas
entrecortadas, que se tornou característica de seu cinema. Como equilibrar forma e conteúdo?
IÑÁRRITU - Para fazer um filme
é preciso escolher uma linguagem. Há um discurso estilístico
que escolhi para demarcar a trilogia. Mas é a estrutura que se
adapta à necessidade dramática. O contrário não funcionaria.
FOLHA - Por "Babel", o sr. foi escolhido melhor diretor em Cannes, em
maio passado, concorrendo com Pedro Almodóvar, Ken Loach, Aki Kaurismäki, entre outros. O que significam os prêmios para "o toureiro"?
IÑÁRRITU - Se os prêmios são a
conseqüência de um trabalho,
que sejam bem-vindos. Se são o
objetivo, a motivação intrínseca de alguém, ainda que você os
consiga, não valem nada.
Para mim, mais do que ganhar prêmios com "Babel", o
importante é ver que deu certo
um projeto que tinha todos os
ingredientes para ser um fracasso. São quatro histórias que
não se cruzam fisicamente, em
cinco idiomas. Não é uma aposta fácil.
Que tenha funcionado já é
um prêmio para mim. E ganhar
um reconhecimento tão importante e prestigioso como o
de Cannes é a cereja do bolo. É a
conseqüência de um trabalho
que me tomou três anos. Fico
orgulhoso.
FOLHA - O filme está cotado para o
Oscar. É um prêmio que o seduz?
IÑÁRRITU - Não é meu objetivo
nem me tira o sono, sinceramente. Se estivesse interessado
em ganhar o Oscar já teria feito
muitos filmes que me ofereceram. Meus filmes não são filmes de Oscar. Ao contrário, são
antiacadêmicos.
O cinema é uma extensão de
mim mesmo, um testemunho
da minha experiência de vida,
com as virtudes e limitações e
com a liberdade que quero ter.
Tive a sorte, junto com Fernando Meirelles e Walter Salles, de
poder trabalhar com os estúdios [de Hollywood], não para
os estúdios. Ou seja, a sorte de
poder usar as ferramentas e
mecanismos dos estúdios para
ter uma distribuição mais justa,
mas sem subordinação a uma
cultura imperialista.
FOLHA - De que trata seu próximo
filme?
IÑÁRRITU - Meu próximo filme
é mais complicado do que "Babel". É um tema que me apaixona. Não vou te dizer qual é. E
não sei quanto tempo vou levar
para fazê-lo. Venho trabalhando nisso há uns dois anos. Mas,
antes do próximo filme, quero
tirar férias. Neste momento,
meu objetivo é conseguir não
fazer absolutamente nada. É o
mais difícil para mim.
Texto Anterior: Américas utópicas Próximo Texto: "Os políticos tornaram-se palhaços" Índice
|