São Paulo, terça, 28 de outubro de 1997.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA - BARRY MILES
'É a história dos Beatles na versão de Paul'

especial para a Folha, de Londres

O escritor Barry Miles vive atualmente na França e é um conhecido biógrafo de nomes importantes do rock, como Bob Dylan e Syd Barret, além dos escritores William Burroughs e Allen Ginsberg.
Para a biografia de Paul, iniciada em 89, entrevistou cerca de 40 pessoas, leu centenas de documentos e livros e gravou 35 fitas de entrevistas com o próprio ex-Beatle.
Na entrevista abaixo, Miles fala sobre os momentos mais difíceis de seu trabalho e do show recordista que Paul fez no Brasil.
(DENISE BOBADILHA)

Folha - Há quanto tempo você conhece Paul McCartney?
Barry Miles -
Encontrei Paul pela primeira vez no verão de 1965. Eu estava abrindo uma livraria com outras duas pessoas, John Dunbar, então casado com Marianne Faithfull, e Peter Asher.
Peter vivia na casa dos pais e sugeriu que guardássemos os livros em seu porão até que terminássemos a loja. Também viviam na mesma casa a irmã de Peter, Jane Asher, e seu namorado, Paul McCartney.
Paul não só ajudou a classificar os livros como foi o nosso primeiro cliente. Quando encontramos um local para a livraria, Paul também ajudou a pintá-la e arrumar as prateleiras. Conhecemo-nos muito bem e nos tornamos amigos.
Folha - É mais fácil escrever sobre um amigo ou isso pode ser prejudicial no trabalho final?
Miles -
É mais fácil entrevistar alguém com quem você dividiu experiências, mesmo que isso só tenha acontecido por causa da idade e da cultura.
Escrever sobre um amigo de verdade -como nos meus livros sobre Allen Ginsberg, William Burroughs e Paul McCartney- é melhor por contar suas próprias experiências.
É como escrever uma autobiografia, porque em muitos casos eu estava presente durante o momento que descrevo, como as sessões de gravação, as reuniões etc.
Eu pude descrever o quarto de Paul na casa dos Asher ou em St. Johns Wood porque passei muito tempo em cada um deles.
Eu conheci Jane Asher e seus pais e todas as outras pessoas no livro, como Robert Fraser e os outros Beatles.
Folha - Qual a principal dificuldade em escrever sobre uma pessoa cuja história pessoal é mundialmente tão conhecida?
Miles -
Paul e eu decidimos desde o começo que o livro se concentraria em novos fatos, deixando de lado, ou apenas citando, fatos muito conhecidos.
Detive-me em áreas que as pessoas não sabem muito: os Beatles na Índia com o Maharishi, Paul e Linda em Nova York na primeira vez que foram para lá juntos, a amizade de Paul com Robert Fraser, as bases de todas as canções.
Folha - Qual foi a parte mais difícil para Paul nas entrevistas?
Miles -
Ele realmente não queria falar muito sobre Jane Asher. Ele ficou com Jane de 1963 a 1968, mas ela nunca o mencionou numa entrevista desde então.
Ela era consciente que seria fácil se tornar a ex de Paul McCartney -um pouco como Cynthia Lennon- e não queria isso.
Ela queria sua própria carreira (Jane Asher é atriz) em suas condições. Paul respeitou isso e não queria ser o primeiro a contar a "história de Paul e Jane".
Folha - Paul fala muito de seus anos na cena "avant-garde". Normalmente John é visto como o revolucionário e, mais do que isso, tendo Paul como uma espécie de vilão do grupo. O livro pretende recontar a história dos Beatles? Você acha que a história dos Beatles até hoje conhecida é só a visão de John sobre ela?
Miles -
O livro revisa sim a história dos Beatles. No início e no período intermediário dos Beatles, existiam poucos jornais ou revistas que escreviam seriamente sobre rock'n'roll.
Na Inglaterra, isso era visto apenas como diversão. Foi somente mais tarde, nos anos 60, depois do lançamento de jornais underground e de revistas como a "Rolling Stone", que as pessoas começaram a levar o rock a sério.
Nessa época, John estava com Yoko dando oito ou nove entrevistas por dia, portanto é realmente só o ângulo de John e Yoko que todos nós sempre ouvimos.
Folha - Como a fama mudou a personalidade de Paul?
Miles -
Ele tem sido famoso por toda sua vida adulta e não conhece nada além disso. No fundo, ele diz que ainda é aquela criança de Liverpool, mas sua personalidade adulta só se desenvolveu depois que ele já havia atingido o sucesso.
Folha - Você acha que há algo no passado do qual Paul lamenta ou se arrepende? Se ele pudesse fazer algo diferente, o que seria?
Miles -
Eu acho que ele lamenta o fato de sua mãe nunca ter visto sua fama (ela morreu quando Paul tinha 13 anos).
Genericamente falando, eu acho que ele está muito satisfeito e tem poucos arrependimentos. Existem os arrependimentos financeiros, é claro. Os desacordos por causa da bagunça contábil no fim dos Beatles quase lhe causaram uma síncope nervosa.
Folha - Você acha que foi Hamburgo, e não Liverpool, que formou os Beatles?
Miles -
Sim. Acredito que a importância de Hamburgo tem sido ignorada quase que por completo. Eu tentei enfatizar isso no livro.
Folha - Que tipo de relacionamento Paul, George e Ringo têm hoje? E Paul e a família de John Lennon?
Miles -
Paul e George têm uma amizade "espinhosa". George pode ainda ser difícil, mas eles parecem ser bons amigos. Paul e Ringo sempre foram muito amigos e continuam assim.
Paul e Yoko se dão bem, mas não são amigos. Às vezes, eles nem falam um com o outro. Os negócios dos Beatles são a causa do problema. Paul tem um bom relacionamento com os filhos de Yoko.
Folha - O livro é centrado nos anos dos Beatles. Mas parece que Paul tem uma lembrança especial do Brasil, onde fez o show de 1990 que quebrou todos os recordes e está hoje no "Guinness" (o concerto no Maracanã foi recorde mundial de público pagante, 184 mil pessoas). O que ele lhe disse a respeito?
Miles -
Ele me ligou logo após o show e soou totalmente chapado -não de drogas, mas por causa da grande excitação e adrenalina por tocar para tanta gente e para uma ótima platéia.
Ele deve ter dito algumas palavras em português no palco, porque me disse: "Apesar de tanta gente, eu tentei dizer umas poucas palavras para o público na língua deles, e a resposta foi tão fantástica que tornou tudo muito íntimo de alguma forma".
Para ele, ter tocado para a maior platéia pagante da história do rock pareceu íntimo e amigável, como tocar numa sala pequena.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.