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ENTREVISTA - BARRY MILES
'É a história dos Beatles na versão de Paul'
especial para a Folha, de Londres
O escritor Barry Miles vive atualmente na França e é um conhecido
biógrafo de nomes importantes do
rock, como Bob Dylan e Syd Barret, além dos escritores William
Burroughs e Allen Ginsberg.
Para a biografia de Paul, iniciada
em 89, entrevistou cerca de 40 pessoas, leu centenas de documentos
e livros e gravou 35 fitas de entrevistas com o próprio ex-Beatle.
Na entrevista abaixo, Miles fala
sobre os momentos mais difíceis
de seu trabalho e do show recordista que Paul fez no Brasil.
(DENISE BOBADILHA)
Folha - Há quanto tempo você
conhece Paul McCartney?
Barry Miles - Encontrei Paul pela primeira vez no verão de 1965.
Eu estava abrindo uma livraria
com outras duas pessoas, John
Dunbar, então casado com Marianne Faithfull, e Peter Asher.
Peter vivia na casa dos pais e sugeriu que guardássemos os livros
em seu porão até que terminássemos a loja. Também viviam na
mesma casa a irmã de Peter, Jane
Asher, e seu namorado, Paul
McCartney.
Paul não só ajudou a classificar
os livros como foi o nosso primeiro cliente. Quando encontramos
um local para a livraria, Paul também ajudou a pintá-la e arrumar as
prateleiras. Conhecemo-nos muito bem e nos tornamos amigos.
Folha - É mais fácil escrever sobre um amigo ou isso pode ser
prejudicial no trabalho final?
Miles - É mais fácil entrevistar
alguém com quem você dividiu experiências, mesmo que isso só tenha acontecido por causa da idade
e da cultura.
Escrever sobre um amigo de verdade -como nos meus livros sobre Allen Ginsberg, William Burroughs e Paul McCartney- é melhor por contar suas próprias experiências.
É como escrever uma autobiografia, porque em muitos casos eu
estava presente durante o momento que descrevo, como as sessões
de gravação, as reuniões etc.
Eu pude descrever o quarto de
Paul na casa dos Asher ou em St.
Johns Wood porque passei muito
tempo em cada um deles.
Eu conheci Jane Asher e seus pais
e todas as outras pessoas no livro,
como Robert Fraser e os outros
Beatles.
Folha - Qual a principal dificuldade em escrever sobre uma pessoa
cuja história pessoal é mundialmente tão conhecida?
Miles - Paul e eu decidimos desde o começo que o livro se concentraria em novos fatos, deixando de
lado, ou apenas citando, fatos
muito conhecidos.
Detive-me em áreas que as pessoas não sabem muito: os Beatles
na Índia com o Maharishi, Paul e
Linda em Nova York na primeira
vez que foram para lá juntos, a
amizade de Paul com Robert Fraser, as bases de todas as canções.
Folha - Qual foi a parte mais difícil para Paul nas entrevistas?
Miles - Ele realmente não queria falar muito sobre Jane Asher.
Ele ficou com Jane de 1963 a 1968,
mas ela nunca o mencionou numa
entrevista desde então.
Ela era consciente que seria fácil
se tornar a ex de Paul McCartney
-um pouco como Cynthia Lennon- e não queria isso.
Ela queria sua própria carreira
(Jane Asher é atriz) em suas condições. Paul respeitou isso e não queria ser o primeiro a contar a "história de Paul e Jane".
Folha - Paul fala muito de seus
anos na cena "avant-garde". Normalmente John é visto como o revolucionário e, mais do que isso,
tendo Paul como uma espécie de
vilão do grupo. O livro pretende
recontar a história dos Beatles?
Você acha que a história dos Beatles até hoje conhecida é só a visão
de John sobre ela?
Miles - O livro revisa sim a história dos Beatles. No início e no período intermediário dos Beatles,
existiam poucos jornais ou revistas que escreviam seriamente sobre rock'n'roll.
Na Inglaterra, isso era visto apenas como diversão. Foi somente
mais tarde, nos anos 60, depois do
lançamento de jornais underground e de revistas como a "Rolling Stone", que as pessoas começaram a levar o rock a sério.
Nessa época, John estava com
Yoko dando oito ou nove entrevistas por dia, portanto é realmente
só o ângulo de John e Yoko que todos nós sempre ouvimos.
Folha - Como a fama mudou a
personalidade de Paul?
Miles - Ele tem sido famoso por
toda sua vida adulta e não conhece
nada além disso. No fundo, ele diz
que ainda é aquela criança de Liverpool, mas sua personalidade
adulta só se desenvolveu depois
que ele já havia atingido o sucesso.
Folha - Você acha que há algo no
passado do qual Paul lamenta ou
se arrepende? Se ele pudesse fazer
algo diferente, o que seria?
Miles - Eu acho que ele lamenta
o fato de sua mãe nunca ter visto
sua fama (ela morreu quando Paul
tinha 13 anos).
Genericamente falando, eu acho
que ele está muito satisfeito e tem
poucos arrependimentos. Existem
os arrependimentos financeiros, é
claro. Os desacordos por causa da
bagunça contábil no fim dos Beatles quase lhe causaram uma síncope nervosa.
Folha - Você acha que foi Hamburgo, e não Liverpool, que formou os Beatles?
Miles - Sim. Acredito que a importância de Hamburgo tem sido
ignorada quase que por completo.
Eu tentei enfatizar isso no livro.
Folha - Que tipo de relacionamento Paul, George e Ringo têm
hoje? E Paul e a família de John
Lennon?
Miles - Paul e George têm uma
amizade "espinhosa". George
pode ainda ser difícil, mas eles parecem ser bons amigos. Paul e Ringo sempre foram muito amigos e
continuam assim.
Paul e Yoko se dão bem, mas não
são amigos. Às vezes, eles nem falam um com o outro. Os negócios
dos Beatles são a causa do problema. Paul tem um bom relacionamento com os filhos de Yoko.
Folha - O livro é centrado nos
anos dos Beatles. Mas parece que
Paul tem uma lembrança especial
do Brasil, onde fez o show de 1990
que quebrou todos os recordes e
está hoje no "Guinness" (o concerto no Maracanã foi recorde
mundial de público pagante, 184
mil pessoas). O que ele lhe disse a
respeito?
Miles - Ele me ligou logo após o
show e soou totalmente chapado
-não de drogas, mas por causa da
grande excitação e adrenalina por
tocar para tanta gente e para uma
ótima platéia.
Ele deve ter dito algumas palavras em português no palco, porque me disse: "Apesar de tanta
gente, eu tentei dizer umas poucas
palavras para o público na língua
deles, e a resposta foi tão fantástica
que tornou tudo muito íntimo de
alguma forma".
Para ele, ter tocado para a maior
platéia pagante da história do rock
pareceu íntimo e amigável, como
tocar numa sala pequena.
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