São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2000

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RETROSPECTIVA LOUIS FEUILLADE
Francês remete ao cinema teatral

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Em relação a Louis Feuillade (1874-1925), não se pode negligenciar o aspecto histórico, seu lugar legendário na evolução do cinema, como pai dos seriados de aventura. Essa é uma razão para ver os episódios de "Judex", "Fantômas" e "Les Vampires". Mas está longe de ser a única.
Existe, primeiro, a possibilidade de voltar aos anos 10, a um cinema que ainda hesitava em tratar a cena teatralmente (postando a câmera diante dos personagens) e a narrativa griffithiana, clássica, em que o olho do espectador desloca-se pelos quatro cantos do cenário, sempre em posição privilegiada.
Feuillade trabalha em geral com a câmera em posição central, deslocando-a com frequência para captar detalhes (como bilhetes escritos por um ou outro personagem) e por vezes aproximando-a dos personagens para isolar suas reações faciais.
Mas a esses aspectos sobrepõe-se um outro, verdadeiramente surpreendente, que é o frescor absoluto da sua narrativa.
Esses filmes de pura ação nos remetem, antes de tudo, a uma Europa diferente daquela -fatigada- que conhecemos hoje. Com Judex, uma espécie de Batman, justiceiro que vive oculto e usa um chapéu tipo Antônio das Mortes, com o grande anarquista Fantômas ou com os perversos vampiros, temos uma antevisão belle époque -menos saturada, mais leve, como concepção- do que seria o magnífico dr. Mabuse, de Fritz Lang.
Mas ainda não é daí que vem o principal do encanto desses seriados, e sim da capacidade de Feuil- lade de surpreender a realidade, de trazer as coisas na plenitude de seu frescor.
Essa característica se mostra sobretudo em certas cenas de rua, em que alguns passantes (visivelmente, não são figurantes), ora acompanham a ação do protagonista, ora olham rapidamente para a câmera.
Observados do ponto de vista da construção clássica, esses seriam defeitos, momentos em que se rompe o pacto do verossímil. Da perspectiva pré-clássica ou da moderna, sentimos a coisa de outra maneira: são esses momentos mágicos em que o real triunfa sobre a encenação.
Eles acontecem com frequência no cinema. São poucos os filmes, no entanto, em que temos a sensação de que o real está sendo surpreendido pela câmera. Os seriados de Feuillade estão nessa categoria. Eles fazem parte da "infância" do cinema, desde que se restitua à palavra o sentido de inauguração, vitalidade e descoberta -e não de imaturidade.
É essa infância que faz falta a boa parte do cinema contemporâneo (inclusive o brasileiro atual, tão dedicado a demonstrar sua capacitação técnica). É ela que os seriados de Feuillade nos permitem reencontrar e, acima de tudo, compreender.


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