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RETROSPECTIVA LOUIS FEUILLADE
Francês remete ao cinema teatral
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Em relação a Louis Feuillade (1874-1925), não se pode
negligenciar o aspecto histórico,
seu lugar legendário na evolução
do cinema, como pai dos seriados
de aventura. Essa é uma razão para ver os episódios de "Judex",
"Fantômas" e "Les Vampires".
Mas está longe de ser a única.
Existe, primeiro, a possibilidade
de voltar aos anos 10, a um cinema que ainda hesitava em tratar a
cena teatralmente (postando a câmera diante dos personagens) e a
narrativa griffithiana, clássica, em
que o olho do espectador desloca-se pelos quatro cantos do cenário,
sempre em posição privilegiada.
Feuillade trabalha em geral com
a câmera em posição central, deslocando-a com frequência para
captar detalhes (como bilhetes escritos por um ou outro personagem) e por vezes aproximando-a
dos personagens para isolar suas
reações faciais.
Mas a esses aspectos sobrepõe-se um outro, verdadeiramente
surpreendente, que é o frescor absoluto da sua narrativa.
Esses filmes de pura ação nos
remetem, antes de tudo, a uma
Europa diferente daquela -fatigada- que conhecemos hoje.
Com Judex, uma espécie de Batman, justiceiro que vive oculto e
usa um chapéu tipo Antônio das
Mortes, com o grande anarquista
Fantômas ou com os perversos
vampiros, temos uma antevisão
belle époque -menos saturada,
mais leve, como concepção- do
que seria o magnífico dr. Mabuse,
de Fritz Lang.
Mas ainda não é daí que vem o
principal do encanto desses seriados, e sim da capacidade de Feuil-
lade de surpreender a realidade,
de trazer as coisas na plenitude de
seu frescor.
Essa característica se mostra sobretudo em certas cenas de rua,
em que alguns passantes (visivelmente, não são figurantes), ora
acompanham a ação do protagonista, ora olham rapidamente para a câmera.
Observados do ponto de vista
da construção clássica, esses seriam defeitos, momentos em que
se rompe o pacto do verossímil.
Da perspectiva pré-clássica ou da
moderna, sentimos a coisa de outra maneira: são esses momentos
mágicos em que o real triunfa sobre a encenação.
Eles acontecem com frequência
no cinema. São poucos os filmes,
no entanto, em que temos a sensação de que o real está sendo surpreendido pela câmera. Os seriados de Feuillade estão nessa categoria. Eles fazem parte da "infância" do cinema, desde que se restitua à palavra o sentido de inauguração, vitalidade e descoberta -e
não de imaturidade.
É essa infância que faz falta a
boa parte do cinema contemporâneo (inclusive o brasileiro atual,
tão dedicado a demonstrar sua
capacitação técnica). É ela que os
seriados de Feuillade nos permitem reencontrar e, acima de tudo,
compreender.
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