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Chave para "A Mulher Que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos" está na esquizofrenia induzida no espectador
Português petulante ataca EUA e "terrinha"
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
Com "A Mulher Que Acreditava
Ser Presidente dos Estados Unidos", não há meio termo: ou o espectador adora, ou detesta. Numa
das sessões em que o filme foi exibido na Mostra, não foram poucos os espectadores que saíram do
cinema, batendo a porta, raivosos. Enquanto isso, os outros que
ficaram se estrebuchavam de rir.
É melhor ficar na sala. O filme é
uma experiência única, como cinema e como comentário crítico.
Chamá-lo de comédia ainda é
pouco: trata-se de uma farsa absolutamente delirante, intercalando sem ordem e sem nexo uma
série de tradições cinematográficas "leves", sobretudo americanas: do musical à "screwball comedy". O filme também flerta
com o teatro do absurdo e assume
francamente o ridículo como força de construção e demolição.
É difícil resumir a história, mas
vamos lá. Começa na rua Washington, em Lisboa. Em seguida,
estamos já na Casa Branca. Governa os Estados Unidos uma perua loira e histérica, cujo primeiro-marido passa os dias bêbado
na cama. Também a cama é o lugar preferido da primeira-avó,
amante de um bom baseado, que
ela enrola em sedas ilustradas
com a bandeira norte-americana.
Chegam a secretária de Estado,
a vice-presidente, a chefe das Forças Armadas, as agentes do FBI
-os EUA são governados por
mulheres de perucas espalhafatosas e vestidos reluzentes.
O que vem em seguida é uma
série de cenas impagáveis que satirizam a política e a vida norte-americana a partir dos clichês que
nós todos acumulamos a respeito
dos EUA. "A Mulher que Acreditava Ser a Presidente dos Estados
Unidos" é um dos filmes mais petulantes dos últimos tempos. Em
Lisboa, uma revista humorística
chegou mesmo a cogitar que, por
causa dele, Portugal poderia ser
enquadrado pelo presidente Bush
entre os países do Eixo do Mal.
Mas a crítica aos Estados Unidos só funciona porque o diretor
apronta ao mesmo tempo um ataque impiedoso a Portugal. A própria estrutura do filme se ergue
com vistas a atingir os dois alvos.
Os contrastes -na forma, no gesto e na palavra- entre os chavões
da cultura americana e as tipicidades do comportamento português, entre os hinos patrióticos
em inglês e o fado tristonho, entre
a fantasia de um superpoder
mundial e as picuinhas de uma vida provinciana, entre a tradição
do filme hollywoodiano e a criação de uma mise-en-scène inédita
no cinema da "terrinha" reforçam
o duplo bombardeamento.
É também um filme bastante
bem realizado do ponto de vista
cinematográfico. João Botelho é
um dos melhores diretores europeus, dono de uma obra consolidada e, aliás, bastante austera e intelectual, como em "Conversa
Acabada" e "Tempos Difíceis".
Neste novo filme, sem deixar de
recorrer a toda a sua cultura de cinema, ele simplesmente desbundou, com ajuda de um formidável
elenco de atrizes portuguesas.
Se no conjunto o filme é memorável, no detalhe deixa a desejar.
O roteiro privilegia demasiadamente a "gag" em detrimento da
narrativa. Isso exige do filme um
grau de invenção acima de suas
forças. Às vezes achamos tudo genial, às vezes que se perdeu na
zombaria mais rastaquera. Mas
essa esquizofrenia induzida no espectador, ridicularizado ele também em seu anti-americanismo,
talvez seja a chave da obra.
A Mulher Que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos
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