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POLÍTICA CULTURAL
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, fala sobre sua pasta, que assumirá a agência reguladora das TVs
"Não temos que temer responsabilidades"
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
De acordo com prazo anunciado pelo ministro José Dirceu (Casa Civil), estaria pronto, hoje, o
decreto que transformará a Ancine (Agência Nacional do Cinema)
em Ancinav (Agência Nacional
do Cinema e Audiovisual).
A medida é um sinal de prestígio ao Ministério da Cultura, que
reivindicou (e obteve no último
dia 13) a vinculação da agência à
sua estrutura (a Ancine estava
instalada na Casa Civil) e a ampliação do raio de ação da agência, para abarcar, além do cinema, também a TV. Na semana passada, o ministro Gil recebeu a Folha
em seu gabinete, em Brasília, para
a seguinte entrevista.
Folha- Ao chamar para o MinC a
função de regular a televisão, o sr.
não teme a responsabilidade de ter
de opinar desde a definição do modelo de TV digital a ser adotado no
país até a pertinência ou não de determinado programa dominical ser
impedido de ir ao ar?
Gilberto Gil - Não acredito que
tenhamos que temer responsabilidades. Temos é que estar preparados para assumi-las. A questão
fundamental é termos equipe, estrutura. A reforma que fizemos
[na estrutura do MinC, em agosto] precisa ser complementada
com a disponibilidade de pelo
menos 150 novos cargos ao ministério. Estamos insistentemente
colocando isso para o governo.
Folha - O desafio não é grande demais para uma pasta que reivindica ter 1% do orçamento da União?
Gil - Vamos pensar em chegar lá.
É a mesma questão de uma família que tem dez filhos e uma casa
de dois quartos, onde a necessidade de cinco quartos é premente.
Não havendo condições para que
se tenha logo os cinco quartos da
casa, busca-se um terceiro num
primeiro momento. Saímos de
0,2% do orçamento neste ano para quase 0,4% no próximo ano.
Vamos continuar lutando para
atingir 1% pelo menos no quarto
ano. Há áreas do governo que dizem que não adianta termos 1%,
porque não saberemos e não estaremos preparados para gastar.
Folha - São áreas coordenadas
pelo ministro Antonio Palocci (Fazenda)?
Gil - [Risos] São algumas áreas
do governo.
Folha - A vinculação da Ancine ao
MinC, objetivo expresso por sua
pasta desde o primeiro dia de gestão, tardou dez meses. O sr. tolera
os prazos da gestão federal?
Gil - Tenho uma compreensão
muito clara da lentidão natural
das máquinas de governo. O governo de Lula, o seu grupo chega
pela primeira vez ao governo.
Além da lentidão natural da máquina, há um problema de adaptação do grupo às tarefas governamentais, o que faz com que esses tempos iniciais de governo sejam mais lentos, mais difíceis.
Folha - Isso não é indício de que
não haverá tempo para cumprir todos os objetivos anunciados, como
a criação de 80 casas de cultura?
Gil - A dificuldade prática do ministério não deve ser fator inibitório da conceituação sobre o que
deve ser feito, do sonho de realizar, do fato de nos permitirmos
pensar vários projetos em várias
áreas. Pelo contrário, é exatamente a dificuldade, a lentidão, a escassez de recursos que nos obrigam a ter projetos em quantidade
e qualidade, para que pelo menos
alguns deles possam ser feitos
Folha - O presidente da Ancine,
Gustavo Dahl, diz que não há racionalidade na distribuição de dinheiro público através das leis de incentivo à cultura, porque elas não exigem nenhum resultado dos projetos apoiados.
Gil - A crítica ao mecanismo dito
neoliberal de leis de incentivo fiscal vem sendo feita, na campanha
eleitoral, antes da posse do presidente, depois da posse e, amplamente, agora, através dos 18 seminários que promovemos no Brasil
[para discutir políticas de cultura]. Obviamente é preciso ancorar
as leis de incentivo às políticas públicas da cultura, evitando um demasiado "laissez faire laissez passer", gerido, entre aspas, autonomamente pelo mercado.
Folha - Observadores de sua gestão dizem que o sr., sendo filiado
ao PV, adota uma forma de fazer
política distinta da do PT.
Gil - E é mesmo. [Uma forma]
Mais leve, mais light, mais bailarina, mais dançarina. Tento fazer
política com as minhas características pessoais e do meu campo
político, que são a suavidade, a diplomacia, a paciência, mas também a comprovação das teses
através da racionalidade, da justificativa técnica, cultural, enfim,
usando argumentação.
Folha - No ministério, o sr. teme
colocar sua biografia em risco?
Gil - Não tenho problema com
minha biografia. Estou preocupado com meu bem-estar no dia-a-dia da gestão. Quero saúde para
mim e saúde pública no ministério. Para isso, me empenho na
melhor postura ética, política, na
melhor negociação, no melhor nível de diálogo.
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