São Paulo, sexta-feira, 28 de outubro de 2005

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29ª MOSTRA DE CINEMA

Atriz espanhola homenageada pelo festival faz show de bossa nova hoje; no cinema, diz que já teve suas "doses" de Almodóvar

Victoria Abril solta a voz e o verbo em SP

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A atriz espanhola Victoria Abril, 45, é dessas pessoas que parecem haver nascido prontas para tudo. O que não quer dizer que não se atrasem.
Anteontem, em São Paulo, ela demorou 40 minutos além do previsto para iniciar seus encontros com a imprensa, no hotel que recebe convidados da 29ª Mostra.
Victoria se arrumava no quarto. Desceu num modelito metade John Galliano metade superposição de saias compradas em Calcutá. "Mas, atenção, é seda pura."
Logo de cara alguém lhe pede que cante, já que é um show de bossa nova (hoje à noite) a principal atração que ela traz à Mostra. A exibição de quatro filmes de sua carreira ("Entre as Pernas", "Sem Notícias de Deus", "Kika" e "O Sétimo Dia") é bônus do pacote.
"Cantar aqui? Agora? Mas claro!" E emenda os mais conhecidos versos de "Sampa". Sem modéstia, mas simpaticamente, diz: "Não falo português, mas canto perfeitamente [no idioma]".
Soando consciente de que o domínio vocal não é seu principal predicado, ela afirma que "as notas [musicais] são sete e não há nenhuma falsa. As harmonias é que podem errar".
Nada tímida e bastante espalhafatosa, Victoria acompanha suas frases de onomatopéias e gestos. A um fotógrafo que flagrou uma careta sua, diz: "Quando eu fizer burghburghburghg [sopra os lábios], não me fotografe ou tomo seu crachá". Ele depois a surpreende num sorriso, e ela observa: "Você está melhorando".
Victoria diz que a bossa nova "é a trilha sonora" de sua vida e a música ideal para curar dores de amor. Há 23 anos, ela trocou a Espanha pela França, levada por uma paixão. "Menos mal que ele era francês e de Paris. Já pensou se fosse do Congo?"
Ao lembrar a única vez que esteve no Brasil antes, em 95, diz: "Passei sete noites sem dormir na cama. No Rio, acordava na praia, com um copo na mão, vendo as bundas mais bonitas do mundo".
Abaixo, ela fala à Folha.

 

Folha - Dez entre dez atrizes sonham filmar com o diretor Pedro Almodóvar. A sra., que filmou com ele, sonha com o que no cinema?
Victoria Abril -
Com o próximo trabalho. Sempre sonho com algo concreto e real. Não faço castelos no ar nem quero trabalhar com Almodóvar se ele não quiser trabalhar comigo. É perda de tempo trabalhar com quem não te quer. Deve-se contentar com a normalidade e fazê-la maravilhosa.

Folha - Almodóvar é um mestre...
Abril -
Fiz três filmes com ele. Tive minhas doses de Almodóvar. Todo tipo de dose. A melhor foi "De Salto Alto" [91]. "Ata-Me" [90] foi a primeira vez, "Kika" [93], a terceira. Cada uma foi um momento, como numa história de amor: começa, se desenvolve e depois morremos ou nos separamos. Mas a vida continua, e cada degrau nos leva a um lugar. Não quero ficar parada em nenhum.

Folha - A sra. disse que seu início no cinema foi tão fácil como andar de bicicleta. Depois isso mudou?
Abril -
Nunca tive dificuldade para entender os papéis. Quando tive, não os fiz. Não me meto no que não sou capaz de compreender. Faço meu trabalho de atriz como se fosse advogada. Defendi cem mulheres, não obstante o que tenham feito. Eu as defendi. Não as julguei nem as critiquei.

Folha - Cite um personagem que recusou por não compreendê-lo.
Abril -
O de "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" [Almodóvar, 1998]. Não o papel de Carmem [Maura], o outro [de Rossy de Palma]. Não queria fazê-lo. Pareceu-me uma bobagem. Disse não, e ele [Almodóvar] depois escreveu para mim "Ata-Me".

Folha - Seu próximo filme será dirigido por Antonio Banderas, com quem já contracenou. Imagina que mudará sua relação com ele no set?
Abril -
Ele é como meu irmão. Meu irmão me pedirá que faça coisas por ele, e eu farei. [O filme] é a história de uma mulher madura que se envolve com um jovenzinho. Então, não há problema [risos]. Não preciso estudar matemática para entender esse papel.

Folha - Chegar à maturidade no cinema a assusta?
Abril -
Mais do que assustar, me fode. Aos 40, os bons papéis terminam. Sobram as amargas, abandonadas pelo marido, ou as más. Já fiz as amargas e as más. Sobra "Conduzindo Miss Daisy".


Putcheros do Brasil
Show de bossa nova com Victoria Abril
Quando: hoje, às 21h, no Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195, Pinheiros, SP, tel. 0/ xx/11/3095-9400)
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15


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