São Paulo, sexta, 28 de novembro de 1997.




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MILENARISMO
Historiador francês que chega ao Brasil em dezembro lança "Mil Anos de Felicidade", sobre o juízo final
Jean Delumeau recupera paraíso perdido

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

O historiador francês Jean Delumeau, em "Mil Anos de Felicidade - Uma História do Paraíso", nos avisa que, apesar de várias crenças em contrário, o juízo final não chegará com o novo milênio.
Professor de História das Mentalidades Religiosas do Ocidente, no Collège de France, Delumeau, 74, conta em seu livro, lançado agora no Brasil pela editora Companhia das Letras, que milenarismo não é destruição, e sim o desejo de que uma profecia se cumpra: o retorno do homem ao paraíso de que foi biblicamente expulso.
Sua obra fala de religião, mas também da maneira que a "fé milenarista" migra para a ação de Cristovão Colombo, a independência dos EUA, a crença no progresso ou os ideais revolucionários do socialismo para, em nossos dias, ser encontrado nos florais de Bach e nas roupas e perfumes do estilista Paco Rabane.
Delumeau, que chega ao Rio de Janeiro no próximo mês para participar do seminário "Brasil 500 Anos - Experiência e Destino", concedeu uma entrevista à Folha, por fax, de Cesson-Sèvigné, em que fala de seu trabalho, o ideal de felicidade e o atual "luto dos países ocidentais".

Folha - Para o sr., o milenarismo não é o medo do desaparecimento, mas um ideal de felicidade?
Jean Delumeau -
É necessário explicar o que entendo por milenarismo. Não se trata da espera de um cataclismo que marcará a chegada do ano mil ou 2000, mas a esperança de mil anos de felicidade sobre a Terra. O número mil ocupa para a humanidade um papel simbólico, fundado principalmente no capítulo 20 do Apocalipse.
O texto fala que após uma série de catástrofes Satã será "preso por mil anos". Os justos ressuscitarão e reinarão sobre a terra com Cristo. Passados os mil anos, Satã será libertado de sua prisão e acontecerá uma última batalha entre Deus e o diabo. Acontecerá depois uma ressurreição geral -isso porque durante os mil anos apenas os "justos" ressuscitaram- e o juízo final. A história terminará e o tempo se dissipará na eternidade.
Folha - E de que maneira o sr. encontrou o tema?
Delumeau -
Há 20 anos trabalho em um mesmo projeto historiográfico, que procura explorar, de maneira sucessiva, dois aspectos do passado no Ocidente: os medos ("O Medo no Ocidente", 1978; "Le Péché et la Peur", 1983) e a procura pela segurança e proteção ("Rassurer et Protéger", 1989; "A Confissão e o Perdão", 1990), que revivem os sonhos de felicidade. Publiquei, em 1992, o primeiro volume de uma "História do Paraíso", sob o título de "O Jardim das Delícias", que tentava recuperar uma nostalgia do paraíso perdido, e de que maneira isso se exprimia em nossa civilização.
Era então natural que eu produzisse um segundo trabalho dentro dessa série: "Mil Anos de Felicidade". Na verdade, um terceiro volume será lançado em alguns anos, dedicado às representações que a cristandade fez do "céu".
Produzir então um trabalho historiográfico dessas proporções é necessariamente uma "aventura". Como em "Mil Anos", que me conduziu das profecias do Antigo Testamento à "new age".



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