São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002

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MEMÓRIA

Filósofo americano John Rawls recriou idéia de contrato social

DA REDAÇÃO

"Um dos mais importantes trabalhos de filosofia do século 20." Assim o professor da USP José Arthur Giannotti definiu "Uma Teoria da Justiça", a principal obra do filósofo americano John Rawls, que morreu no último domingo aos 81 anos.
Lançada em 1971, ela rapidamente foi alçada à categoria de clássico por se propor a repensar, em bases modernas, a noção de "contrato social" derivada de autores como Hobbes, Locke e Rousseau.
Surgida no bojo dos protestos contra a Guerra do Vietnã e da afirmação dos direitos da mulher, "Uma Teoria da Justiça" (ed. Martins Fontes) lançou as premissas da chamada "ação afirmativa", conjunto de medidas que buscavam compensar a discriminação das minorias nos EUA e cuja parte mais visível é a reserva de cotas nas universidades.
Mas se hoje nos EUA a ação afirmativa tem sofrido ataques severos, no Brasil ela é cada vez mais discutida e implantada. Em julho, a Universidade do Estado da Bahia anunciou que irá reservar 40% das vagas de todos os seus cursos para candidatos negros.
Como nos EUA, a questão por aqui também é controversa.
Newton Bignotto, professor na Universidade Federal de Minas Gerais, destaca que as idéias de Rawls são uma "referência importante" no contexto de desigualdade social em que vive o Brasil hoje. Já Giannotti vê a questão com reservas.
Mas a unanimidade em torno de Rawls como um dos mais influentes pensadores políticos do pós-guerra só se consolidou quando publicou, aos 50 anos, "Uma Teoria de Justiça".
Sua meta é compreender como se pode chegar a uma sociedade justa. E, para isso, lança mão de dois princípios fundamentais.
Primeiro, o de que cada indivíduo tem o direito à maior liberdade possível, desde que ela seja compatível com a maior liberdade possível dos outros indivíduos.
Segundo, as desigualdades socioeconômicas apenas são aceitáveis se servirem para promover o bem-estar dos menos favorecidos. E, para Rawls, a única forma de estruturar uma sociedade em torno desses dois princípios é por meio do "contrato social".
Mas como os indivíduos podem tomar as decisões que possibilitem a afirmação desse contrato? Rawls defende que elas devem partilhar de um "véu de ignorância". Ou seja: cada pessoa deve escolher regras para viver sem saber se será favorecida ou desfavorecida na sociedade governada pelas regras que escolher.
A essa situação hipotética, Rawls chamou "posição original", que é sua contribuição mais decisiva para a teoria da justiça social.
Assim, um indivíduo em sua "posição original" escolherá a sociedade na qual a pior posição possível é melhor do que a pior posição possível em quaisquer outros sistemas.
Para Rawls, isso significa que o mais desfavorecido estará mais bem protegido, embora o favorecimento aos mais necessitados não vá, de modo algum, abolir as desigualdades.
Seus críticos, como Robert Nozick (morto no início deste ano) chamaram suas idéias sobre justiça distributiva de utópicas e "nonsense igualitário".
Apesar disso, "Uma Teoria da Justiça" vendeu só nos EUA cerca de 200 mil exemplares -uma cifra bastante respeitável para um livro de perfil acadêmico.
Em 1993, em "Liberalismo Político" (Instituto Teotônio Vilela/ Ática), Rawls retoma princípios de sua principal obra para discutir a possibilidade de diferentes culturas conviverem em pé de igualdade nas democracias liberais.
E em "Justice as Fairness" (ed. Harvard), de 2001, pondera sobre as críticas que "Uma Teoria da Justiça" recebeu. Outro livro seu publicado no Brasil é "O Direito dos Povos" (Martins Fontes).
(MARCOS FLAMÍNIO PERES e MAURÍCIO SANTANA DIAS)


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