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MEMÓRIA
Filósofo americano John Rawls recriou idéia de contrato social
DA REDAÇÃO
"Um dos mais importantes trabalhos de filosofia do século 20."
Assim o professor da USP José
Arthur Giannotti definiu "Uma Teoria da Justiça", a
principal obra do filósofo americano John Rawls, que morreu no
último domingo aos 81 anos.
Lançada em 1971, ela rapidamente foi alçada à categoria de
clássico por se propor a repensar,
em bases modernas, a noção de
"contrato social" derivada de autores como Hobbes, Locke e
Rousseau.
Surgida no bojo dos protestos
contra a Guerra do Vietnã e da
afirmação dos direitos da mulher,
"Uma Teoria da Justiça" (ed.
Martins Fontes) lançou as premissas da chamada "ação afirmativa", conjunto de medidas que
buscavam compensar a discriminação das minorias nos EUA e cuja parte mais visível é a reserva de
cotas nas universidades.
Mas se hoje nos EUA a ação afirmativa tem sofrido ataques severos, no Brasil ela é cada vez mais
discutida e implantada. Em julho,
a Universidade do Estado da Bahia anunciou que irá reservar 40%
das vagas de todos os seus cursos
para candidatos negros.
Como nos EUA, a questão por
aqui também é controversa.
Newton Bignotto, professor na
Universidade Federal de Minas
Gerais, destaca que as idéias de
Rawls são uma "referência importante" no contexto de desigualdade social em que vive o Brasil hoje. Já Giannotti vê a questão com reservas.
Mas a unanimidade em torno
de Rawls como um dos mais influentes pensadores políticos do
pós-guerra só se consolidou
quando publicou, aos 50 anos,
"Uma Teoria de Justiça".
Sua meta é compreender como
se pode chegar a uma sociedade
justa. E, para isso, lança mão de
dois princípios fundamentais.
Primeiro, o de que cada indivíduo tem o direito à maior liberdade possível, desde que ela seja compatível com a maior liberdade possível dos outros indivíduos.
Segundo, as desigualdades socioeconômicas apenas são aceitáveis se servirem para promover o bem-estar dos menos favorecidos. E, para Rawls, a única forma
de estruturar uma sociedade em
torno desses dois princípios é por
meio do "contrato social".
Mas como os indivíduos podem
tomar as decisões que possibilitem a afirmação desse contrato?
Rawls defende que elas devem
partilhar de um "véu de ignorância". Ou seja: cada pessoa deve escolher regras para viver sem saber
se será favorecida ou desfavorecida na sociedade governada pelas
regras que escolher.
A essa situação hipotética,
Rawls chamou "posição original",
que é sua contribuição mais decisiva para a teoria da justiça social.
Assim, um indivíduo em sua
"posição original" escolherá a sociedade na qual a pior posição
possível é melhor do que a pior
posição possível em quaisquer
outros sistemas.
Para Rawls, isso significa que o
mais desfavorecido estará mais
bem protegido, embora o favorecimento aos mais necessitados
não vá, de modo algum, abolir as
desigualdades.
Seus críticos, como Robert Nozick (morto no início deste ano)
chamaram suas idéias sobre justiça distributiva de utópicas e
"nonsense igualitário".
Apesar disso, "Uma Teoria da
Justiça" vendeu só nos EUA cerca
de 200 mil exemplares -uma cifra bastante respeitável para um
livro de perfil acadêmico.
Em 1993, em "Liberalismo Político" (Instituto Teotônio Vilela/
Ática), Rawls retoma princípios
de sua principal obra para discutir
a possibilidade de diferentes culturas conviverem em pé de igualdade nas democracias liberais.
E em "Justice as Fairness" (ed.
Harvard), de 2001, pondera sobre
as críticas que "Uma Teoria da
Justiça" recebeu. Outro livro seu
publicado no Brasil é "O Direito
dos Povos" (Martins Fontes).
(MARCOS FLAMÍNIO PERES e MAURÍCIO SANTANA DIAS)
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