São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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¿Hablas portunhol?

"Movimento literário" reúne autores que se inspiram na tradição oral dos habitantes da fronteira entre Brasil e Paraguai

"Portunhol selvagem" contrapõe-se ao "idioma" criado por turistas argentinos e brasileiros que tentam se virar ao viajar

Divulgação
Xico Sá, Douglas Diegues e Joca Reiners Terrón, alguns "expoentes' da literatura em portunhol


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Brasileiro chega a uma lanchonete de Buenos Aires e dispara: "Por fabor, me bê una Cueca-Cuela?". Quando se fala no portunhol, é numa cena assim que todo mundo pensa.
Mas eis que agora surge um "movimento literário" que é contra essa versão "turística" da mescla entre o português e o espanhol -geralmente carregada de espírito de porco, preconceito e certa ignorância.
Trata-se de um grupo de escritores do Brasil, do Paraguai e da Argentina, que lançou uma espécie de manifesto em defesa do "portunhol salbaje".
A idéia é promover experimentações literárias a partir da linguagem oral da fronteira entre o Brasil e o Paraguai e da mistura da linguagem urbana com a tradição nordestina, influenciada pelo romanceiro luso-espanhol da Idade Média.
Douglas Diegues, carioca criado em Ponta Porã (MS), agora radicado na capital do Paraguai; Joca Reiners Terrón, mato-grossense que vive em São Paulo; e Xico Sá, jornalista cearense também enraizado na capital paulista, são os principais nomes desse grupo.
Em setembro, eles apresentaram sua "proposta" na Festa Literária Internacional de Porto (Puerto?) de Galinhas (veja no YouTube em busca por "portuñol" e "fliporto").
E, entre os dias 6 e 9/12, promoverão em Assunção o 1º Encontro Interfronteiras do Portunhol Selvagem, com a presença de Ronaldo Bressane, Aurora Bernardini, Bruno Torturra, Washington Cucurto, Santiago Llach e Fabián Casas.
Toda essa agitação vem marcada por muito bom humor. O que faz lembrar a trinca Los Tres Amigos, formada por Angeli, Laerte e Glauco -depois reforçada por Adão Iturrusgarai, autor da charge acima. Nos anos 80, o grupo reanimou o cartum brasileiro de humor, com piadas em portunhol.
Diegues explica o idioma que ajudou a criar: "U portunhol salbaje es la língua falada en la frontera du Brasil com u Paraguai por la gente simples. Es la lengua de las putas que de noite vendem seus sexos en la linha de la fronteira. Es una lengua bizarra, transfronteriza, rupestre, feia, bella, diferente".
Depois do elogiado "Dá Gusto Andar Desnudo por Estas Selvas - Sonetos Salvajes" (Travessa dos Editores), lançado em 2003, Diegues se instalou no país vizinho para pesquisar a linguagem oral dos habitantes da fronteira e lançar seus livros caseiros, editados com capas de papelão. O escritor também traduz textos de prosa e poesia do português e de outras línguas para o portunhol.
Para Joca Reiners Terrón, o portunhol selvagem é interessante enquanto permanecer informal. "Acho absurdo querer fixar, pois não há padronização possível", diz.
Diegues concorda. "La gramatificacione servirá para matar los deslimites de la liberdade di lenguaje. Lo mais importante es non fixar nim museificar, mas deixá-lo errante caubói rollingstones, epifania sem nome 3 kilômetros por segundo al rededor del sol entre Sampi y Paraguay y el resto de la Gluebolândia."

Preconceito
Para além da literatura, Terrón acha que o portunhol selvagem pode ser um instrumento para que os brasileiros reflitam sobre como vêem os hermanos latino-americanos. "Aqui há preconceito com os hispano-hablantes. Relacionamos o seu sotaque, quando tentam falar português, a trambique. A Globo, por exemplo, quando coloca um personagem latino nas novelas, faz o cara enrouquecer a voz e parecer picareta."
Inevitável lembrar aquele célebre comercial de televisores que reforçava esse estereótipo. Trazia um paraguaio, muito suspeito, afirmando: "La garantia soy yo", para certificar um desconfiado cliente de que o aparelho que estava vendendo não era falso, por supuesto...


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