São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2008

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Crítica/"Queime Depois de Ler"

Irmãos Coen fazem comédia pastelão mergulhada na melancolia

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Depois de "Onde os Fracos Não Têm Vez", os irmãos Coen, de maneira muito saudável e esperta, tomaram um rumo completamente diferente. Longe da densidade do filme que lhes rendeu o Oscar, este novo "Queime Depois de Ler" é uma comédia rasgada -e, por isso mesmo, uma obra relativamente imune às cobranças após a "consagração máxima".
Apesar das diferenças entre os dois filmes, porém, a assinatura dos Coen está lá, indefectível. "Queime Depois de Ler" também traz uma posição bastante parecida diante de certos valores do mundo contemporâneo, um dado que termina aproximando ainda mais os dois filmes e confirmando esta comédia como uma obra de continuidade, e não de ruptura, como poderia parecer.
Uma série de episódios brutais e absurdos é desencadeada depois que Osbourne Cox (John Malkovich), agente da CIA, é demitido por seus "problemas com o álcool". Para vingar-se, Osbourne decide escrever uma autobiografia cujos manuscritos, ainda inacabados, vão parar nas mãos de dois funcionários de uma academia de ginástica (Brad Pitt e Frances McDormand).
O acaso faz com que outros personagens se envolvam nessa história, que toma rumos cada vez mais macabros -entre eles um atrapalhado ex-agente de segurança, interpretado por George Clooney.
É uma lógica bastante próxima à do filme anterior, e, em "Queime Depois de Ler", também há um personagem observador como o de Tommy Lee Jones em "Onde os Fracos Não Têm Vez" -aquele que recebe as notícias absurdas e reage, um tanto estupefato e à distância, à brutalidade crescente.
Se a "comédia de erros" sempre fez parte do repertório dos Coen (basta ver seu longa de estréia, "Gosto de Sangue", ou "O Amor Custa Caro"), desta vez eles exercitaram as características do gênero em seus extremos: de um lado, a comédia física, quase um pastelão; de outro, um sentimento de melancolia subjacente a tudo, que termina se sobrepondo ao riso.
Todos os personagens do filme são profundamente tristes, a começar pelo agente da CIA interpretado por Osbourne Cox, um alcoólatra amargurado no trabalho e infeliz no casamento, mas principalmente a secretária de academia de ginástica interpretada por Frances McDormand, que pretende juntar uns trocados para fazer uma plástica -e termina fazendo qualquer coisa para atingir seu objetivo.
Os risos de "Queime Depois de Ler" têm um sabor amargo que, de um modo bizarro, peculiar aos Coen, terminam refletindo um profundo desgosto, mas que não necessariamente significa desprezo ou desdém.


QUEIME DEPOIS DE LER
Produção: EUA, 2008
Direção: Joel Coen e Ethan Coen
Com: George Clooney, Brad Pitt, John Malkovich, Tilda Swinton
Onde: estréia hoje no Cidade Jardim, Cine TAM, Espaço Unibanco e circuito
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: bom



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