São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

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Crítica/"De Cuba, com Carinho"

Blogueira cubana relata cotidiano inacessível a estrangeiros

ESPECIAL PARA A FOLHA

A cubana Yoani Sánchez, autora de um dos blogs mais lidos do mundo, o "Generación Y", é mais personagem que cronista. Não que não escreva bem, mas não foi o seu estilo que a catapultou à condição de símbolo de uma nova geração de descontentes na ilha de Fidel Castro. Foi sua atitude.
Sanchéz, 34, poderia ter emigrado, como tantos de sua geração. Mas, depois de curta temporada na Europa, preferiu voltar e enfrentar a ditadura que hoje dificulta sua saída para receber prêmios e cumprir agenda profissional em vários países, como o Brasil, onde deveria participar do lançamento do livro "De Cuba, com Carinho", uma coletânea de posts. A blogueira forjou a visão crítica ao regime na adolescência, durante a escassez dos anos 90, resultado do fim do subsídio de Moscou, quando a população passou fome. Na estreia do blog, em 2007, a comida voltara às mesas graças a Hugo Chávez.
Mas a liberdade continuava cerceada, e ela usou uma das únicas brechas para denunciar o regime cubano, a internet. Sánchez é uma dissidente singular, e não só por ter escolhido viver em Cuba. Diferencia-se pelo tom da crítica. Não há revanchismo ou rancor. Ao contrário, vítima, assume parte da responsabilidade, pelos anos que calou antes do blog.
Natural que seja criticada à esquerda e à direita. De um lado, Fidel e seguidores dizem que ela está a serviço do imperialismo americano. De outro, é atacada por imigrantes cubanos em Miami, incomodados por terem perdido a hegemonia sobre a dissidência, como lembra no posfácio o sociólogo Demétrio Magnoli, a quem cabe a leitura ideológica do livro.
Não se deve procurar análise nos posts. Eles valem pelo retrato de um cotidiano pouco acessível a estrangeiros. Um dos mais surpreendentes -para quem se lembra de que o sistema cubano de saúde pública já foi considerado exemplar-, é sobre a visita a uma paciente hospitalizada a quem leva até a linha de sutura para a cirurgia.
Há também tiradas reflexivas, como quando, ao observar adolescentes da idade do filho, comenta que "certo toque de frivolidade os protege contra a sobriedade das ideologias".
O estilo, diz, está condicionado à indigência da informática em Cuba. "Meu acesso à rede só me permite apelar à reflexão ou à crônica que não envelhecem rapidamente." Autodefinindo-se como linguista e hacker -sabe construir frases e computadores- apela também ao humor. Afinal, "as gargalhadas são pedras duras para os dentes dos autoritários". (OSCAR PILAGALLO)

OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A Aventura do Dinheiro" e "Folha Explica Roberto Carlos" (ambos pela Publifolha).


DE CUBA, COM CARINHO

Autora: Yoani Sánchez
Tradução: Benivaldo Araújo e Carlos Donato Petrolini Jr.
Editora: Contexto
Quanto: R$ 29,90 (208 págs.)
Avaliação: bom




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