|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"De Cuba, com Carinho"
Blogueira cubana relata cotidiano inacessível a estrangeiros
ESPECIAL PARA A FOLHA
A cubana Yoani Sánchez,
autora de um dos blogs
mais lidos do mundo, o
"Generación Y", é mais personagem que cronista. Não que
não escreva bem, mas não foi o
seu estilo que a catapultou à
condição de símbolo de uma
nova geração de descontentes
na ilha de Fidel Castro. Foi sua
atitude.
Sanchéz, 34, poderia ter emigrado, como tantos de sua geração. Mas, depois de curta temporada na Europa, preferiu voltar e enfrentar a ditadura que
hoje dificulta sua saída para receber prêmios e cumprir agenda profissional em vários países, como o Brasil, onde deveria
participar do lançamento do livro "De Cuba, com Carinho",
uma coletânea de posts.
A blogueira forjou a visão crítica ao regime na adolescência,
durante a escassez dos anos 90,
resultado do fim do subsídio de
Moscou, quando a população
passou fome. Na estreia do
blog, em 2007, a comida voltara
às mesas graças a Hugo Chávez.
Mas a liberdade continuava
cerceada, e ela usou uma das
únicas brechas para denunciar
o regime cubano, a internet.
Sánchez é uma dissidente
singular, e não só por ter escolhido viver em Cuba. Diferencia-se pelo tom da crítica. Não
há revanchismo ou rancor. Ao
contrário, vítima, assume parte
da responsabilidade, pelos anos
que calou antes do blog.
Natural que seja criticada à
esquerda e à direita. De um lado, Fidel e seguidores dizem
que ela está a serviço do imperialismo americano. De outro, é
atacada por imigrantes cubanos em Miami, incomodados
por terem perdido a hegemonia
sobre a dissidência, como lembra no posfácio o sociólogo Demétrio Magnoli, a quem cabe a
leitura ideológica do livro.
Não se deve procurar análise
nos posts. Eles valem pelo retrato de um cotidiano pouco
acessível a estrangeiros. Um
dos mais surpreendentes -para quem se lembra de que o sistema cubano de saúde pública
já foi considerado exemplar-,
é sobre a visita a uma paciente
hospitalizada a quem leva até a
linha de sutura para a cirurgia.
Há também tiradas reflexivas, como quando, ao observar
adolescentes da idade do filho,
comenta que "certo toque de
frivolidade os protege contra a
sobriedade das ideologias".
O estilo, diz, está condicionado à indigência da informática
em Cuba. "Meu acesso à rede só
me permite apelar à reflexão ou
à crônica que não envelhecem
rapidamente." Autodefinindo-se como linguista e hacker -sabe construir frases e computadores- apela também ao humor. Afinal, "as gargalhadas são
pedras duras para os dentes dos
autoritários".
(OSCAR PILAGALLO)
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A
Aventura do Dinheiro" e "Folha Explica Roberto
Carlos" (ambos pela Publifolha).
DE CUBA, COM CARINHO
Autora: Yoani Sánchez
Tradução: Benivaldo Araújo e Carlos
Donato Petrolini Jr.
Editora: Contexto
Quanto: R$ 29,90 (208 págs.)
Avaliação: bom
Texto Anterior: Livros/Comentário/"A Sopa de Kafka": Obra traz receitas literárias no estilo de grandes autores Próximo Texto: Crítica/DVD: "Viva o Gordo" traz as sacanagens do bobo da corte dos anos 80 Índice
|