São Paulo, Terça-feira, 28 de Dezembro de 1999


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INDÚSTRIA FONOGRÁFICA

Mercado de discos despenca no Brasil



País fecha o ano ainda sob o domínio de padres e bundas musicais, mas com projeção de queda de até 50% nas vendas de CDs; axé music se retrai e padre Marcelo vende 1,65 milhão a menos de cópias


Feliz ano 2000, música popular brasileira?

Inácio Teixeira/Folha Imagem
O padre Marcelo Rossi canta à frente de Chitãozinho, Zezé di Camargo e Luciano, também na Globo


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Era assim que você imaginava a trilha sonora do ano 2000? Movida pelos sermões do padre Marcelo Rossi? Turbinada pelas bundas do É o Tchan? Romântica à moda texana com Leonardo, Zezé di Camargo & Luciano ou, em versão mais infantil e juvenil, Sandy & Júnior? No requebro do samba duro do Só pra Contrariar? Chorada em mais um réquiem pela finada Legião Urbana? Pois esse é o seleto -e em nada novo- grupo dos que, na indústria fonográfica nacional, conseguiram em 1999 sobrepujar a cobiçada marca do milhão de cópias consumidas.
Juntos, venderam -mas, cuidado, quem oferece os números são as próprias gravadoras que detêm seus passes; ou seja, o Brasil ainda vive a incrível situação de eleger as raposas para a contabilidade do galinheiro- quase 10 milhões de unidades de discos. Mas não pense, com isso, nem de longe, num cenário de otimismo ou de tranquilidade.
Os números do ano não estão fechados, mas, no primeiro semestre de 1999, o Brasil havia descambado de sexto maior mercado mundial de discos para 11º. Naquele período, o país vendeu 31% a menos de discos e arrecadou 41% a menos em dinheiro que em 1998. Dirigentes que se dizem otimistas projetam um final de ano em oitavo, em nono, em décimo, em décimo-primeiro.
"A expectativa é de 40% a 50% de queda no faturamento em 99. Calculamos que o Brasil vá fechar o ano em oitavo, nono no mundo", diz o presidente da gravadora WEA, Sérgio Affonso.
O encolhimento se reflete em quedas individuais. Embora tenham sido correntes nos bastidores da indústria frases como "Só pra Contrariar não vendeu nada", "Ivete Sangalo foi um fracasso", vários dos "campeões" de venda ostentem cifras oficiais respeitáveis -fornecidas pelas raposas.
Mesmo assim, o padre cantor Marcelo Rossi vendeu, com seu novo disco, 1,65 milhão a menos de cópias do que havia vendido com o anterior, no final de 1998. Leonardo perdeu o parceiro Leandro e 1,2 milhão de exemplares vendidos. O pagode ainda emplacou Só pra Contrariar (1,5 milhão) e, mais atrás (leia os números em quadro ao lado), Soweto, Exaltasamba e Negritude Jr.
A axé music, símbolo pródigo dos anos FHC, teve que se contentar com 1,2 milhão de "É o Tchan na Selva" e, muito atrás, 240 mil do Terra Samba e 210 mil da estréia solo de Ivete Sangalo. A enxurrada de discos ao vivo de axé não figura, em geral, nas listas.
Na hora de admitir os revezes, as gravadoras são bem menos loquazes que na divulgação de números. Procurados insistentemente pela Folha durante duas semanas, dirigentes de Universal, BMG, EMI e Sony se fizeram de mudos. Deram seus depoimentos apenas WEA (reduto por excelência do pop/rock, gênero em ascensão em 99) e as emergentes Abril Music (também fincada no pop/rock) e Trama (de perfil menos comercial que as demais).
Desses, o presidente da WEA, Sérgio Affonso, fornece o perfil mais sinistro de 1999. "Foi um ano muito difícil, bastante duro, por causa da desvalorização cambial, dos apertos na economia, do avanço de novas tecnologias como MP3 e de um impacto que ainda não havíamos sentido da pirataria de CDs. A WEA conseguiu, com uma política bastante dura, manter a serenidade. Até outubro, estávamos em quarto lugar, atrás de Universal, BMG e EMI", afirma.
Ele avalia que o mercado ruma à realidade: "O sexto lugar talvez fosse um pouco de utopia demais. Estava inchado, talvez artificialmente. A crise tem um lado bom. A axé deu uma reduzida fenomenal, os segmentos populares sofreram uma enxugada forte. Num clima de festa se cria um monte de coisas, e quando o mercado endurece a indústria começa a podar políticas mais predatórias. Mas se torna mais conservadora".
É nesse fosso que parece se encontrar a música popular brasileira na virada do ano 2000. Com a gangorra totalmente pendida para o populismo de gêneros de massa, em 1999 o investimento em artistas e gêneros novos esteve quase invisível.
Com exceção das rappers Pepê & Neném (da Virgin), nenhum artista novo superou a marca de 100 mil cópias -talvez por falta de apelo próprio, mas também porque a indústria esteve toda voltada para os gêneros de massa e o boom de CDs ao vivo (praticamente toda a elite da tradicional MPB lançou CDs ao vivo em 99).
Diz o diretor de marketing da Abril Music (gravadora que capitaneou a volta de roqueiros dos 80 como Capital Inicial e Ultraje a Rigor, mas não fugiu de axé e discos ao vivo), Alexandre Ktenas:
"O ano foi difícil por vários motivos, mas o pior é a crise de criatividade -do mercado, não dos artistas. Os discos ao vivo são mais fáceis, mais baratos, e esse boom se provou muito mais negativo que positivo. O Brasil se acomodou com o crescimento nos últimos anos, com a distorção dos números para cima. Mas agora isso acabou".
Na ponta da ousadia de formatos e no lançamento de novos artistas, ficou, quase sozinha, a Trama, com catálogo que abrange rap, música eletrônica, soul e mangue beat. Seu diretor de negócios, João Paulo Mello, não camufla a dificuldade de tentar escapulir dos cânones saturados:
"Ficamos 40% abaixo do que esperávamos como orçamento inicial. A gravadora está se estruturando. Dentro do que foi o ano em geral até tivemos marcos positivos. Otto (lançado em 98) vendeu 30 mil sem nunca tocar em rádio, Tom Zé vendeu 25 mil, conquistamos prêmios. O cenário é terrível, em termos culturais, mas vamos manter nossa estratégia e seguir nessa linha alternativa, de produtos com mais conceito. Não abriremos mão disso".
O que o Brasil pode esperar de 2000? Os pré-cronogramas das gravadoras (leia quadro abaixo) mostram que muito mais do mesmo, enquanto crescem, no mundo e até no Brasil, a revolução tecnológica, os estilos musicais cada vez mais secos e sintetizados, Internet e MP3. A passagem é estreita, a pinguela balança. Feliz Ano Novo, música popular brasileira.


Colaborou Marcelo Negromonte, da Redação


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