São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 2000

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TELEVISÃO/CRÍTICA


"Brava Gente" foge da mediocridade das fórmulas



ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA


Hoje à noite vão ao ar na Globo os últimos programas da série "Brava Gente", projeto coordenado por Guel Arraes, que reúne adaptações literárias e sugere que a qualidade na TV é possível, e com poucos recursos.
Os três programas exibidos na última terça-feira, noite de estréia do seriado, indicam a diversidade de textos, gêneros e estilos que cabem na proposta. Essa espécie de "Dogma" da TV brasileira experimenta com dramas curtos, de cerca de 30 minutos cada um, gravações em estúdio ou teatro, alguns efeitos especiais e aposta na força do elenco.
Os textos expressam especificidades regionais, estilos diferentes de direção, edição e interpretação. "O Santo e a Porca", baseado em história de Ariano Suassuna, segue a linha testada em o "Auto da Compadecida".
As interpretações de Marco Nanini e Denise Fraga valorizam uma trama que especifica a artimanha de mover relações evitando o confronto. A lógica de ir "ajeitando" encontros e desencontros por interferência de intermediários espertos, que levam suas vantagens, é diferente da economia que organiza o melodrama e que costuma reinar na programação televisiva.
"Meia Encarnada Dura de Sangue" é dirigido por Jorge Furtado em estilo documental e foi feito no Rio Grande do Sul pela Casa de Cinema, inaugurando um formato descentralizado de produção. "Enquanto a Noite Não Chega" traz uma atmosfera meio realismo fantástico, valorizada pelas interpretações charmosas de Mário Lago e Heloísa Mafalda.
Cada programa se sustenta sozinho e seria melhor apreciado se exibido em separado. A série de episódios com intervalos comerciais concentrados entre um programa e outro, pesa. A amarração no título "Brava Gente", ilustrado em um logo que é a bandeira brasileira decorada com objetos de artesanato regional, acrescenta uma pompa e uma pretensão integradora que beiram a nostalgia dos tempos de quase monopólio da emissora e destoam do tom despojado e ousado dos programas.
A qualidade da programação da TV brasileira vem caindo nos últimos anos. O aumento da concorrência gerou o apelo a formas sensacionalistas que supostamente agradam o público.
Mas esse mesmo público reclama da baixa qualidade, pede formas de interferência que podem resvalar para a censura ou empacar na formulação "evitar abusos", que é necessária, mas pouco criativa.
Estão em jogo diferentes definições do que é popular. Técnicos de pesquisa de audiência e de opinião, diretores de programação, criadores, anunciantes, juízes, espectadores, disputam construções que melhor se adequem à variedade de emissoras e preferências que vai emergindo, em detrimento da qualidade da programação.
O debate tende a ficar restrito à engenharia legal que define como as emissoras devem prestar satisfação a seu público. Mas ele pede também a invenção de formas e narrativas capazes de sensibilizar e desafiar a imaginação popular sem incorrer na mediocridade das fórmulas fáceis.
E o universo aberto à teledramaturgia é enorme, como mostram essas adaptações literárias de curta duração e baixo orçamento.


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