|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Lula está no único caminho possível, o do centro"
DA REPORTAGEM LOCAL
A seguir, Vargas Llosa comenta
a eleição de Lula, a crise das democracias latino-americanas, diz
que FHC "não atingiu o fundamental da modernização" e afirma que não é reacionário.
(CEM)
Folha - Qual a avaliação que o sr.
faz da eleição de Lula no Brasil?
Mario Vargas Llosa - Lula, que vinha de uma esquerda dogmática,
sectária, está dando demonstrações de moderação e modernização que devem ser celebradas. Esse é um dos grandes fenômenos
políticos dos últimos anos, a modernização de políticos que acreditavam em fórmulas muito anacrônicas. O caso mais admirável é
o trabalhismo de Tony Blair, que
assumiu uma linha de políticas liberais que trouxe enormes benefícios. Se essa é a rota que vai adotar Lula ficam meus aplausos. Esperemos que ele não adote o caminho do comandante Chávez.
Folha - Em artigo de "A Linguagem da Paixão", de 92, o sr. fala da
crise da democracia liberal. Como o
quadro avançou nesses dez anos?
Llosa - Na América Latina, a desaparição das ditaduras militares
e a sua substituição por governos
democráticos desgraçadamente
não trouxe o desenvolvimento
que se esperava. Isso principalmente por conta da corrupção.
Mas mesmo diante do fracasso
dessas democracias é importante
que elas ainda estejam aí e que
não tenhamos regressado às tradições autoritárias. Agora me parece importante um trabalho pedagógico para explicar que as más
reformas que fizeram por todo o
continente, como a privatização
das empresas públicas para convertê-las em monopólios privados, não podem ser chamadas de
liberais. Também é importante
sublinhar que o verdadeiro progresso não vem só de reformas liberais, que é fundamental modernizar a Justiça e acabar com a concentração radical de renda.
Folha - Cientistas políticos como
Norberto Bobbio defendem que os
conceitos de esquerda e direita não
fazem mais sentido hoje em dia.
Mas na medida em que é possível
usar esses termos como o sr. vê a
ascensão recente de líderes de esquerda por toda a América Latina?
Llosa - Realmente não consigo
pensar em termos de direita e esquerda. A verdadeira separação
de hoje seria entre uma ordem antiquada, na qual estão mesclados
o autoritarismo e o nacionalismo
econômico, que trouxe a catástrofe dos anos 70, com políticas que
nos fizeram perder décadas, e a
modernidade, que é tudo o que
trata de reformar.
Folha - Fernando Henrique Cardoso foi moderno?
Llosa - Ele é uma pessoa brilhante, mas não fez as reformas liberais que devia ou queria. Fernando Henrique conseguiu alguns
avanços, mas não atingiu o fundamental da modernização. Ao
mesmo tempo ficou no Brasil
uma certa luz para a esperança. Se
é que Lula é sincero, está no único
caminho possível, o do centro. Se
lutar pelo que defendia há 20
anos, a catástrofe será iminente.
Folha - Em "A Linguagem da Paixão" o sr. diz que seu "rompimento
com o messianismo autoritário"
não te fez "um hominídeo fossilizado que se chama de reacionário".
Como o sr. convive com a acusação
de ser reacionário?
Llosa - Os que dizem isso manifestam uma profunda corrupção
da linguagem política. Se há algo
que não sou é reacionário, se há
alguém que acredita que temos de
transformar radicalmente o passado, que é o que nos mantêm pobre, sou eu. Esse passado está representado pela esquerda nacionalista, que se agarra a idéias caducas, que não trouxeram um só
caso bem-sucedido. Produziu sim
Coréia do Norte e Cuba, os últimos totalitarismos. Quem representa a modernidade e quem encarna a tradição me parece claro.
A LINGUAGEM DA PAIXÃO. De: Mario
Vargas Llosa. Tradução: Wladir Dupont.
Editora: Arx. Quanto: R$ 39 (342 págs.).
Texto Anterior: Livro/lançamento: Vargas Llosa Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|