São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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"Lula está no único caminho possível, o do centro"

DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, Vargas Llosa comenta a eleição de Lula, a crise das democracias latino-americanas, diz que FHC "não atingiu o fundamental da modernização" e afirma que não é reacionário. (CEM)

Folha - Qual a avaliação que o sr. faz da eleição de Lula no Brasil?
Mario Vargas Llosa -
Lula, que vinha de uma esquerda dogmática, sectária, está dando demonstrações de moderação e modernização que devem ser celebradas. Esse é um dos grandes fenômenos políticos dos últimos anos, a modernização de políticos que acreditavam em fórmulas muito anacrônicas. O caso mais admirável é o trabalhismo de Tony Blair, que assumiu uma linha de políticas liberais que trouxe enormes benefícios. Se essa é a rota que vai adotar Lula ficam meus aplausos. Esperemos que ele não adote o caminho do comandante Chávez.

Folha - Em artigo de "A Linguagem da Paixão", de 92, o sr. fala da crise da democracia liberal. Como o quadro avançou nesses dez anos?
Llosa -
Na América Latina, a desaparição das ditaduras militares e a sua substituição por governos democráticos desgraçadamente não trouxe o desenvolvimento que se esperava. Isso principalmente por conta da corrupção. Mas mesmo diante do fracasso dessas democracias é importante que elas ainda estejam aí e que não tenhamos regressado às tradições autoritárias. Agora me parece importante um trabalho pedagógico para explicar que as más reformas que fizeram por todo o continente, como a privatização das empresas públicas para convertê-las em monopólios privados, não podem ser chamadas de liberais. Também é importante sublinhar que o verdadeiro progresso não vem só de reformas liberais, que é fundamental modernizar a Justiça e acabar com a concentração radical de renda.

Folha - Cientistas políticos como Norberto Bobbio defendem que os conceitos de esquerda e direita não fazem mais sentido hoje em dia. Mas na medida em que é possível usar esses termos como o sr. vê a ascensão recente de líderes de esquerda por toda a América Latina?
Llosa -
Realmente não consigo pensar em termos de direita e esquerda. A verdadeira separação de hoje seria entre uma ordem antiquada, na qual estão mesclados o autoritarismo e o nacionalismo econômico, que trouxe a catástrofe dos anos 70, com políticas que nos fizeram perder décadas, e a modernidade, que é tudo o que trata de reformar.

Folha - Fernando Henrique Cardoso foi moderno?
Llosa -
Ele é uma pessoa brilhante, mas não fez as reformas liberais que devia ou queria. Fernando Henrique conseguiu alguns avanços, mas não atingiu o fundamental da modernização. Ao mesmo tempo ficou no Brasil uma certa luz para a esperança. Se é que Lula é sincero, está no único caminho possível, o do centro. Se lutar pelo que defendia há 20 anos, a catástrofe será iminente.

Folha - Em "A Linguagem da Paixão" o sr. diz que seu "rompimento com o messianismo autoritário" não te fez "um hominídeo fossilizado que se chama de reacionário". Como o sr. convive com a acusação de ser reacionário?
Llosa -
Os que dizem isso manifestam uma profunda corrupção da linguagem política. Se há algo que não sou é reacionário, se há alguém que acredita que temos de transformar radicalmente o passado, que é o que nos mantêm pobre, sou eu. Esse passado está representado pela esquerda nacionalista, que se agarra a idéias caducas, que não trouxeram um só caso bem-sucedido. Produziu sim Coréia do Norte e Cuba, os últimos totalitarismos. Quem representa a modernidade e quem encarna a tradição me parece claro.


A LINGUAGEM DA PAIXÃO. De: Mario Vargas Llosa. Tradução: Wladir Dupont. Editora: Arx. Quanto: R$ 39 (342 págs.).


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