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ARTIGO
A inteligência fina de Dona Gilda
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Gilda de Mello e Souza foi
professora de estética no departamento de filosofia na USP.
Seus alunos a chamavam de dona
Gilda. D. Gilda, 86, morreu no último domingo. É difícil alinhar algumas lembranças sob a emoção.
Ela, que escrevia tão bem, com
uma elegância nada universitária,
deixou raros escritos. São admiráveis, do livro sobre a moda a alguns
contos, raros, redigidos há muito
tempo. São poucos, no entanto, e
por isso não oferecem a medida do
que ela foi, intelectualmente, nem
do que representou para seus alunos.
Em tempos de árduas modas
teóricas, abstratas, presunçosas, D.
Gilda indicava outros caminhos.
Ensinava como pensar em modo
"sensível", diante das obras, diante
dos acontecimentos. Pelo exemplo, expunha esse instrumento tão
poderoso para o conhecimento
que é a intuição.
Tinha insights, tinha achados
que iluminavam a compreensão
de obras mais diferentes. Sempre
me surpreendi que ela não tivesse
publicado mais, multiplicado o
número de ensaios, sua forma reflexiva favorita. D. Gilda era discreta em relação às suas próprias capacidades. Se os textos que dela
nos ficaram são escassos, eles são
modelos de capacidade analítica,
de inteligência fina. São "clássicos", no sentido mais etimológico
da palavra: aquilo que deve ser ensinado e estudado.
D. Gilda tinha uma certa timidez
nas aulas. Mas adorava conversar.
Com claro prazer, recebia, na sua
casa da rua Briaxis, os alunos que
se aproximavam dela. Sentava-se
numa poltrona e falava sobre Chaplin ou Morandi, sobre um romance de André Mauriac ou de
Zola. Evocava bastante seu parente
e seu mentor, Mário de Andrade.
Analisava um poema de "Losango
Cáqui" ou um capítulo de "Macunaíma" de maneira deslumbrante
-para empregar aqui uma palavra que ela usava e que sua voz carregava de intensidade.
Dona Gilda era afetuosa. O modo
como olhava para uma obra tinha
algo da ternura que demonstrava
diante de suas netas ("com esse
chapéu de palha que ela pôs, parece que saiu da "Carreira do Divino",
não parece?"). Era também com
afeto que se interessava pelos seus
alunos, auxiliando-os na descoberta e na reflexão sobre a cultura.
Apoiava-os, ainda, em momentos
de crise pessoal, de problemas os
mais diversos, alguns graves, muitos provocados pelas repressões
nos tempos da ditadura militar.
Uma vez, eu tinha então uns 20
anos, D. Gilda escreveu uma carta
de recomendação que lhe pedira.
Generosa sempre, ela terminou referindo-se a mim como "alguém
que considero meu discípulo".
Sempre fiz, sempre faço, como
posso, o esforço para merecer essa
designação.
Jorge Coli é historiador da arte.
Professora de estética da USP, ensaísta e
crítica de arte, Gilda de Mello e Souza
morreu no domingo, aos 86 anos, vítima
de embolia pulmonar. Era mulher do crítico literário Antonio Candido, com quem
teve três filhas.
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