São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV pública divide opiniões na Europa

Na França, Estado será responsável por 100% do financiamento das emissoras; críticos temem controle editorial

Serviços de radiodifusão europeus recebem 22 bilhões por ano; é o 3º beneficiário de verbas, após agricultura e transporte


MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Bem ao estilo de seu hiperativo presidente, a França saiu na frente em um tema cujo debate se arrasta há anos na União Européia: a reformulação das TVs públicas. E como é típico do governo de Nicolas Sarkozy, o pacote de mudanças que entra em vigor em janeiro está causando polêmica e uma onda de protestos, além de apimentar as discussões em escala européia.
Os críticos da reforma, aprovada pela Assembléia Nacional francesa no apagar das luzes de 2008, desconfiam que por trás dela está uma manobra para dar a Sarkozy o controle dos quatro canais públicos do país.
O presidente rebate com o argumento de que está promovendo uma "revolução cultural" que devolverá a qualidade ao serviço público, cada vez mais desgastada pela competição com os canais privados.
O ponto mais controvertido da reforma é o financiamento, que passará a ser 100% público: a partir de 5 de janeiro, os comerciais começam a desaparecer das TVs públicas francesas.
Sua receita, equivalente a um terço do orçamento, será substituída por novos impostos sobre os canais privados e provedores de internet, herdeiros de uma fatia publicitária de pouco mais de 250 milhões.
Não demorou para surgir o temor de que a autonomia econômica leve a abusos políticos.
Para David Levy, especialista em radiodifusão pública da consultoria britânica Oxford Global Media, e um dos membros da comissão parlamentar que discutiu as reformas na França, a redução da dependência comercial é bem-vinda, já que devolve o foco para o interesse da sociedade. Mas o ideal, afirma, seria um modelo misto, que combinasse dinheiro público e privado.
"A preocupação é que o governo use as novas formas de financiamento público para exercer controle editorial", disse Levy à Folha. "É um temor justificado, sobretudo depois que o presidente Sarkozy disse que o Estado passará a escolher o diretor da TV pública."

Debate no bloco
Também na UE, o financiamento é o "x" da questão. Em novembro a Comissão Européia reabriu o debate, propondo emendas às regras em vigor desde 2001. O objetivo principal é evitar concorrência desleal, em meio a uma montanha de dinheiro do contribuinte destinada às TVs estatais.
Os serviços públicos de radiodifusão europeus recebem 22 bilhões anualmente, em taxas cobradas dos usuários ou ajuda direta dos governos. O setor é o terceiro maior beneficiário de verbas estatais no bloco (perde para a agricultura e as empresas de transporte).
Nas novas propostas da UE, que devem entrar em vigor nos próximos meses, não há interferência direta no conteúdo das programações. Mas a definição do que é "valor público" interessa à UE, já que, em tese, este é o ingrediente que justifica o financiamento do governo. O problema é que a fronteira entre utilidade pública e comércio nem sempre são claras.
"A transmissão de uma missa ou de uma partida de futebol é uma necessidade democrática?", questionou Manuel Núñez Encabo, especialista espanhol em direito e ética nos meios de comunicação, no jornal "El País". Para ele, a inclusão dessas e outras atrações na programação da TVE (canal público espanhol) é um exemplo de desvio dos princípios previstos nos tratados da UE.
É um dilema comum a todos os canais públicos, do húngaro Magyar Televizio à TV Brasil, criada por Lula, que acaba de completar um ano com traço no Ibope: como manter uma programação de qualidade e ao mesmo tempo atingir uma parcela expressiva da platéia?
Levy acha que um serviço público tem sempre de almejar uma grande audiência, para justificar o financiamento estatal e criar um elo com a sociedade. E cita a britânica BBC, considerada o modelo ideal de canal público, para demonstrar que isso é possível.


Texto Anterior: Saudades da revolução
Próximo Texto: Novelas da semana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.