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TV pública divide opiniões na Europa
Na França,
Estado será
responsável por
100% do
financiamento
das emissoras;
críticos temem
controle editorial
Serviços de radiodifusão
europeus recebem 22
bilhões por ano; é o 3º
beneficiário de verbas, após agricultura e
transporte
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Bem ao estilo de seu hiperativo presidente, a França saiu na
frente em um tema cujo debate
se arrasta há anos na União Européia: a reformulação das TVs
públicas. E como é típico do governo de Nicolas Sarkozy, o pacote de mudanças que entra em
vigor em janeiro está causando
polêmica e uma onda de protestos, além de apimentar as
discussões em escala européia.
Os críticos da reforma, aprovada pela Assembléia Nacional
francesa no apagar das luzes de
2008, desconfiam que por trás
dela está uma manobra para
dar a Sarkozy o controle dos
quatro canais públicos do país.
O presidente rebate com o
argumento de que está promovendo uma "revolução cultural" que devolverá a qualidade
ao serviço público, cada vez
mais desgastada pela competição com os canais privados.
O ponto mais controvertido
da reforma é o financiamento,
que passará a ser 100% público:
a partir de 5 de janeiro, os comerciais começam a desaparecer das TVs públicas francesas.
Sua receita, equivalente a um
terço do orçamento, será substituída por novos impostos sobre os canais privados e provedores de internet, herdeiros de
uma fatia publicitária de pouco
mais de 250 milhões.
Não demorou para surgir o
temor de que a autonomia econômica leve a abusos políticos.
Para David Levy, especialista
em radiodifusão pública da
consultoria britânica Oxford
Global Media, e um dos membros da comissão parlamentar
que discutiu as reformas na
França, a redução da dependência comercial é bem-vinda,
já que devolve o foco para o interesse da sociedade. Mas o
ideal, afirma, seria um modelo
misto, que combinasse dinheiro público e privado.
"A preocupação é que o governo use as novas formas de
financiamento público para
exercer controle editorial", disse Levy à Folha. "É um temor
justificado, sobretudo depois
que o presidente Sarkozy disse
que o Estado passará a escolher
o diretor da TV pública."
Debate no bloco
Também na UE, o financiamento é o "x" da questão. Em
novembro a Comissão Européia reabriu o debate, propondo emendas às regras em vigor
desde 2001. O objetivo principal é evitar concorrência desleal, em meio a uma montanha
de dinheiro do contribuinte
destinada às TVs estatais.
Os serviços públicos de radiodifusão europeus recebem
22 bilhões anualmente, em
taxas cobradas dos usuários ou
ajuda direta dos governos. O setor é o terceiro maior beneficiário de verbas estatais no bloco
(perde para a agricultura e as
empresas de transporte).
Nas novas propostas da UE,
que devem entrar em vigor nos
próximos meses, não há interferência direta no conteúdo das
programações. Mas a definição
do que é "valor público" interessa à UE, já que, em tese, este
é o ingrediente que justifica o
financiamento do governo. O
problema é que a fronteira entre utilidade pública e comércio nem sempre são claras.
"A transmissão de uma missa
ou de uma partida de futebol é
uma necessidade democrática?", questionou Manuel Núñez Encabo, especialista espanhol em direito e ética nos
meios de comunicação, no jornal "El País". Para ele, a inclusão dessas e outras atrações na
programação da TVE (canal
público espanhol) é um exemplo de desvio dos princípios
previstos nos tratados da UE.
É um dilema comum a todos
os canais públicos, do húngaro
Magyar Televizio à TV Brasil,
criada por Lula, que acaba de
completar um ano com traço
no Ibope: como manter uma
programação de qualidade e ao
mesmo tempo atingir uma parcela expressiva da platéia?
Levy acha que um serviço público tem sempre de almejar
uma grande audiência, para
justificar o financiamento estatal e criar um elo com a sociedade. E cita a britânica BBC, considerada o modelo ideal de canal público, para demonstrar
que isso é possível.
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