São Paulo, Sábado, 29 de Janeiro de 2000


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CINEMA
Técnica traz filmes feitos diretamente sobre a película, com riscos, inscrições e rabiscos
"From Scratch" é atração em Roterdã

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha, em Roterdã

Como ironia à era digital, o programa "From Scratch", uma das atrações do 29º Festival Internacional de Cinema de Roterdã (Holanda), propõe ignorar especulações eufóricas ou apocalípticas do milênio tecnológico e constatar: um filme é a simples projeção de elementos cinematográficos básicos.
Do scratch vem uma série de filmes feitos diretamente sobre a película, com riscos, inscrições, pinturas abstratas e rabiscos raspando a emulsão e explorando a flicagem de fotogramas brancos, pretos e coloridos.
A complexidade é correlata à estrutura de reiterações e variações minimais.
O que leva uns poucos interessados a permanecer (após a debandada geral) frente a uma tela cheia de fotogramas monocromáticos e garatujas em movimento? Seria uma volta aos primórdios da caverna de projeções rupestres?
A seção traz clássicos experimentais: dos pioneiros Len Lye ("Free Radicals") e Viking Eggeling ("Symphonie Diagonale") a Stan Brakhage ("The Act of Seeing with One's Own Eyes"), Yoko Ono ("One"), Paul Sharits ("Axiomatic Granularity") e o seminal Peter Kubelka (cuja obra o Brasil verá em novembro, com curadoria deste repórter e de Bernardo Vorobow).
Se há estranhas lacunas, como a ausência de Norman MacLaren, a seção compensa com "Brakhage", documentário de Jim Shedden sobre o deão do underground (que desde 52 fez mais de 300 filmes, com durações que vão de segundos a sete horas).
O impacto do fluxo de imagens primordiais contrasta com a corrente dominante de efeitos especiais na indústria de massa. São filmes "artesanais", feitos pelo cineasta solitário às vezes com uma ponta ou sobra de película. Bastam mãos (cravar o traço, montar a fita) e projetor (irradiar configurações). É a cena primitiva, de origem, do filme.
"From Scratch" rasura a noção de espetáculo e releva a percepção e a redescoberta da essência do cinema. A experiência dos filmes puros é curiosa, face às novas tecnologias digitais que tendem a democratizar o acesso e baratear a produção, cumprindo, paradoxalmente, a profecia da "popularização pessoal" do cinema, como queriam os "cinepoetas" Alexandre Astruc ("câmera-estilo") e Jean Cocteau ("câmera-caneta").


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