São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

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ARTIGO

Teatro de estádio baú das artes Bexigão

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA

ESPECIAL PARA A FOLHA

Domingo, dia de São Paulo, no entorno do Teatro Oficina comemorava-se com cargas pesadas da artilharia das demolições, nuvens de poeira subiam aos céus, o dia todo, participando, no entardecer garoado, das primeiras cenas de "O Homem".
Os sonhos de Contardo Calligaris para os 450 anos, publicados dia 22 na Ilustrada, onde está dada a glória de ser personagem de fazedor de sonhos de multidões, foram proféticos, houve uma encenação pública que me encoraja a abrir este primeiro IÁ!, do meu corpo limitado demais de indivíduo, penetrado por uma emoção pública que me transcende.
Voltando de um repouso em que aprendi que mar é "a mar", ouvi as primeiras rajadas de metralhadoras da enorme serpente-ferro, um guindaste-robô, demolindo como a Matadeira em Canudos ou na Palestina, o casario, já amurado contra os sem-teto, que circundava a enorme área vazia de propriedade do Grupo Silvio Santos, que se vê dos janelões abertos do Teatro Oficina.
"Os Sertões" ganharam a paisagem sinistra da guerra contemporânea mundial, emoldurada pela cezalpina que começa no jardim do Teatro e o atravessa chegando na nossa vanguarda, no espaço vizinho, cumprindo as leis ambientais dos 300 metros para um imóvel tombado.
Nós estamos defendendo que São Paulo, que gosto mais de chamar São Pã, neste aniversário ganhe o presente de Um Teatro de Estádio tão belo quanto a ópera de Sydney, coberto por uma oca como as dos índios brasileiros, mas retrátil, no todo, em partes, como um planetário.
O sonho primeiro foi do poeta Oswald de Andrade, Lina Bardi projetou, Edson Elito colocou de pé, Paulo Mendes da Rocha completou com uma Praça de Cultura fazendo o milagre de resignar o Minhocão, a arquiteta Cris Cortilio redirecionou para o oeste e para o levante, a igreja nova de Canudos, em sua tese de conclusão de curso na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (USP) aclamada com louvor.
Seu projeto é abrir os janelões em portas para um estádio grego abraçando o Teatro Oficina. Caetano Veloso em Sampa profetizou a Oficina de Floresta, que pode ser um pomar ou uma selva, mas é o de uma Universidade Livre de Cultura Brazyleira Orgiástica, a que nenhuma escola ousou estudar, a não ser as escolas de samba.
Esta escola, o verde Burle Marx, nasceria da mistura do bárbaro e do tecnizado, tem seus embriões no curso que já estamos fazendo com os sertanejos de Canudos e o livro de Euclydes da Cunha e com as crianças do Bexigão, herdeiras deste movimento. Aliás o nome deste sonho todo é Bexigão.
O som e a imagem dessas demolições, tema musical do Prelúdio de "A Luta" doem, mas despertam a imaginação e o sonho de grandeza humana que Calligaris sabe ver. Entre o Tudo é Comércio e o Tudo é Social, há Aquilo Que Não Tem Preço e Tem de Ser Feito: a Arte Pública.
É a única arma que temos para trazer a riqueza para o comércio, para o social e para o fim da violência. E esta grande obra de Arte Pública somente é possível com o encontro das contradições. O do Teatro Oficina, o meu talento, partir do texto de Contardo, é agora saber contar com o talento desse artista que é Silvio Santos.
Tenho na minha cabeça fincada rodando como um catavento espiral que Niemeyer desenhou e tentou pôr de pé como símbolo dos 400 anos, e nesses 50 em que tanto Silvio Santos como Oficina passaram a existir, o desafio desta contemporaneidade está nesse ato de criação conjunta.
Que seja encenada "A Luta" neste terreno como ele está, que revivamos o massacre de Canudos, ao mesmo tempo que desmassacramos, construindo um São Pã em que os mortais estejam com tudo que o ser vivo possa transar no gozo da natureza, da segunda natureza: revolução tecnológica, no teatro vivo do aqui agora, atual e virtual, sem deixar para o fim da semana ou para as férias ou para o fim da vida.
Que encontremos nesse impasse a ressurreição do Bexiga, como ponto de encontro fora dos apartheides pobres ou ricos. Que esse lugar seja a área de uma aliança mestiça. O Estádio de Teatro Baú das Artes Bexigão. Anhangá!


José Celso Martinez Corrêa é diretor de teatro e vem adaptando o livro "Os Sertões", de Euclydes da Cunha.

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