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ARTIGO
Teatro de estádio baú das artes Bexigão
JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Domingo, dia de São Paulo,
no entorno do Teatro Oficina comemorava-se com cargas
pesadas da artilharia das demolições, nuvens de poeira subiam
aos céus, o dia todo, participando,
no entardecer garoado, das primeiras cenas de "O Homem".
Os sonhos de Contardo Calligaris para os 450 anos, publicados
dia 22 na Ilustrada, onde está dada a glória de ser personagem de
fazedor de sonhos de multidões,
foram proféticos, houve uma encenação pública que me encoraja
a abrir este primeiro IÁ!, do meu
corpo limitado demais de indivíduo, penetrado por uma emoção
pública que me transcende.
Voltando de um repouso em
que aprendi que mar é "a mar",
ouvi as primeiras rajadas de metralhadoras da enorme serpente-ferro, um guindaste-robô, demolindo como a Matadeira em Canudos ou na Palestina, o casario,
já amurado contra os sem-teto,
que circundava a enorme área vazia de propriedade do Grupo Silvio Santos, que se vê dos janelões
abertos do Teatro Oficina.
"Os Sertões" ganharam a paisagem sinistra da guerra contemporânea mundial, emoldurada pela
cezalpina que começa no jardim
do Teatro e o atravessa chegando
na nossa vanguarda, no espaço vizinho, cumprindo as leis ambientais dos 300 metros para um imóvel tombado.
Nós estamos defendendo que
São Paulo, que gosto mais de chamar São Pã, neste aniversário ganhe o presente de Um Teatro de
Estádio tão belo quanto a ópera
de Sydney, coberto por uma oca
como as dos índios brasileiros,
mas retrátil, no todo, em partes,
como um planetário.
O sonho primeiro foi do poeta
Oswald de Andrade, Lina Bardi
projetou, Edson Elito colocou de
pé, Paulo Mendes da Rocha completou com uma Praça de Cultura
fazendo o milagre de resignar o
Minhocão, a arquiteta Cris Cortilio redirecionou para o oeste e para o levante, a igreja nova de Canudos, em sua tese de conclusão
de curso na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (USP) aclamada com louvor.
Seu projeto é abrir os janelões
em portas para um estádio grego
abraçando o Teatro Oficina. Caetano Veloso em Sampa profetizou
a Oficina de Floresta, que pode ser
um pomar ou uma selva, mas é o
de uma Universidade Livre de
Cultura Brazyleira Orgiástica, a
que nenhuma escola ousou estudar, a não ser as escolas de samba.
Esta escola, o verde Burle Marx,
nasceria da mistura do bárbaro e
do tecnizado, tem seus embriões
no curso que já estamos fazendo
com os sertanejos de Canudos e o
livro de Euclydes da Cunha e com
as crianças do Bexigão, herdeiras
deste movimento. Aliás o nome
deste sonho todo é Bexigão.
O som e a imagem dessas demolições, tema musical do Prelúdio de "A Luta" doem, mas despertam a imaginação e o sonho de
grandeza humana que Calligaris
sabe ver. Entre o Tudo é Comércio e o Tudo é Social, há Aquilo
Que Não Tem Preço e Tem de Ser
Feito: a Arte Pública.
É a única arma que temos para
trazer a riqueza para o comércio,
para o social e para o fim da violência. E esta grande obra de Arte
Pública somente é possível com o
encontro das contradições. O do
Teatro Oficina, o meu talento,
partir do texto de Contardo, é
agora saber contar com o talento
desse artista que é Silvio Santos.
Tenho na minha cabeça fincada
rodando como um catavento espiral que Niemeyer desenhou e
tentou pôr de pé como símbolo
dos 400 anos, e nesses 50 em que
tanto Silvio Santos como Oficina
passaram a existir, o desafio desta
contemporaneidade está nesse
ato de criação conjunta.
Que seja encenada "A Luta"
neste terreno como ele está, que
revivamos o massacre de Canudos, ao mesmo tempo que desmassacramos, construindo um
São Pã em que os mortais estejam
com tudo que o ser vivo possa
transar no gozo da natureza, da
segunda natureza: revolução tecnológica, no teatro vivo do aqui
agora, atual e virtual, sem deixar
para o fim da semana ou para as
férias ou para o fim da vida.
Que encontremos nesse impasse a ressurreição do Bexiga, como
ponto de encontro fora dos apartheides pobres ou ricos. Que esse
lugar seja a área de uma aliança
mestiça. O Estádio de Teatro Baú
das Artes Bexigão. Anhangá!
José Celso Martinez Corrêa é diretor
de teatro e vem adaptando o livro "Os
Sertões", de Euclydes da Cunha.
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