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Crítica
"Nine" retoma Fellini com resultado sofrível
ALEXANDRE AGABITI
FERNANDEZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um musical sobre o universo de Federico Fellini (1920-1993) é coerente, afinal, o mestre italiano
amava o vaudevile e o espetáculo cantado e dançado, como
atestam filmes como "Mulheres e Luzes" (1950) e "Ginger e
Fred" (1986). Como o musical
da Broadway em que se baseia,
"Nine" retoma o argumento de
"8 e Meio" (1963), a obra mais
autobiográfica de Fellini, mas o
resultado é sofrível.
O diretor Rob Marshall -que
mostrou conhecer os códigos
do gênero em "Chicago"- ofusca o espectador com plumas,
luzes e um elenco recheado de
estrelas, erigindo uma espécie
de Disneylândia na qual Fellini
é mero detalhe. Seu nome nem
aparece nos créditos.
O filme conta a crise criativa
que angustia o cineasta Guido
Contini (Daniel Day-Lewis)
-em "8 e Meio" o alter ego de
Fellini se chamava Guido Anselmi e era vivido por Marcello
Mastroianni. Ele vai começar a
rodar um filme, mas não escreveu o roteiro. Perdido, se deixa
invadir por um fluxo de recordações da infância, sonhos, fantasias e alucinações em que o
erotismo e as mulheres têm espaço considerável. Ele se vê às
voltas com a esposa (Marion
Cotil-lard), a amante (Penélope
Cruz), a musa (Nicole Kidman),
uma jornalista (Kate Hudson),
a mãe (Sophia Loren, que nunca fez um filme com Fellini), a
prostituta que marcou seu imaginário erótico na infância
(Stacy Ferguson, a Fergie dos
Black Eyed Peas) e a leal assistente (Judi Dench).
Guido e suas mulheres têm
ao menos um número musical
cada um, mas, ao contrário do
que geralmente acontece em
um filme do gênero, os interlúdios de canto e dança nada
acrescentam aos personagens
ou à narrativa.
As canções insistem em uma
série de estereótipos que arruinam a paciência do espectador:
Kate Hudson brada que ama o
"neorrealismo", enquanto Ferguson dá a receita do que é ser
italiano: um amontoado de nulidades como "estilo" e "atitude". Até a célebre cena de "A Doce Vida" na Fontana di Trevi
é convocada por Marshall em
outro gesto gratuito.
"Nine" pilha o imaginário fel-liniano e sua iconografia, mas
ignora seu simbolismo, sua
poesia. Tudo é gritado, excessivo, a começar pela atuação de
Day-Lewis. Em "8 e Meio",
Guido é uma figura matizada:
tem dúvidas, medos e esperanças. Com gestos contidos e fala
mansa, é um homem que coleciona casos amorosos, mas se
sente culpado. O Guido de "Nine" é raso: é só um estressado.
NINE
Direção: Rob Marshall
Produção: EUA/Itália, 2009
Com: Daniel Day-Lewis, Penélope Cruz
e Marion Cotillard
Onde: estreia no Cidade Jardim, Frei
Caneca Unibanco e circuito
Classificação: 14 anos
Avaliação: ruim
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