São Paulo, sexta, 29 de janeiro de 1999

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MUSICAL
Bob Fosse


O mago do musical americano, morto em 1987, é homenageado em Nova York no tributo "Fosse: A Celebration in Song and Dance"


AMIR LABAKI
de Nova York

É hora de show, e o show da hora em Nova York chama-se "Fosse: A Celebration in Song and Dance", o espetáculo que celebra o legado artístico de Bob Fosse (1927-1987).
"Fosse" estréia em boa companhia. Ao lado de sua sede nova-iorquina, o Broadhurst Theatre, prossegue o triunfo da remontagem de outra criação de Fosse, "Chicago", que Nicholas Hytner se prepara para levar às telas.
Não muito distante a reencenação de Sam Mendes para "Cabaret" eleva ainda mais alto a chama fosseana, agora com Jennifer Jason Leigh no papel que imortalizou Liza Minnelli no cinema e consagrou aqui, em 98, Natasha Richardson.
O circuito Fosse se completa com um novo "Little Me", que traz Martin Short na composição de quase uma dezena de personagens criada sob medida para Sid Caesar por mais uma parceria entre Fosse e o dramaturgo Neil Simon.
Talentos tampouco faltam na criação do musical que homenageia um dos magos do gênero na Broadway do pós-guerra.
O projeto de uma antologia das grandes sequências coreográficas da carreira de Fosse surgiu em 1986, um ano antes da morte, numa conversa entre ele e o dançarino e coreógrafo Chet Walker.
Pouco mais de uma década mais tarde "Fosse" se concretiza assinado por Walker ao lado do diretor Richard Maltby Jr. ("Ain't Misbehavin"; "Miss Saigon") e da atriz e coreógrafa Ann Reinking, uma das últimas parceiras de Fosse, na cama e nos palcos.
Outra de suas grandes companheiras, Gwen Verdon, aparece como assessora artística.
O time de ex-colaboradores de Fosse ligados a "Fosse" conta ainda com o compositor e arranjador Ralph Burns. Por sua vez, Santo Loquasto, o cenógrafo e figurinista de tantas parcerias com Woody Allen, faz o impossível: tornar ainda mais fosseano o dionisíaco, mas sombrio universo de Fosse, reencapando-o a partir de uma sinfonia visual em preto-e-branco.
"Fosse" estrutura-se em três atos, divididos, transições à parte, em 29 sequências.
As três primeiras e as duas últimas procuram sintetizar o espírito e o estilo Fosse. O primeiro e o antepenúltimo trazem Valarie Pettiford, a estrela maior do show, uma espécie de Tina Turner pós-moderna, cantando os prazeres da vida em "Life is Just a Bowl of Cherries", um dos temas do último espetáculo de Fosse, o fracassado musical sobre gangsteres "Big Deal".
O segundo número do prólogo é um pot-pourri da dança segundo Fosse assinado por Ann Reinking. A mesma tentativa de síntese ressurge no "grand finale" ao som de "Sing, Sing, Sing", de Benny Goodman.
São didáticas, mas não arrebatadoras, alegres e majestosas como exige a Broadway, porém carentes da ironia essencial ao humor fosseano. Entre uma e outra, contudo, "Fosse" é puro deslumbramento.
O espectro do criador, todo de negro, do chapéu aos sapatos, visita não poucas sequências. A seleção de números se encadeia a um só tempo, ilustrando a evolução da vida, da carreira e dos estilos de Fosse, sabiamente respeitando antes o espírito das sequências que a cronologia dos espetáculos das quais foram pinçadas.
As dez garotas de programa em "Big Spender", extraído de "Sweet Charity" (1966), remetem ao circuito de clubes noturnos secretamente percorrido pelo jovem Bob.
Ilustram ainda o estilo minimalista desenvolvido por Fosse, uma espécie de dança em sucessivos closes, numa mão que se abre, num quadril que ginga, numa boca que se oferta.
"Alley Dance", criado para o filme "Jejum de Amor" (1955), traz uma dupla de excepcional sapateadores na disputa de uma donzela. A referência é tanto a Hollywood clássica dos musicais em que desembarcou Fosse como à parceria que o lançou, ainda criança, como um dos "Riff Brothers".
² O show não pode parar
O segundo ato reconstitui o amadurecimento de seu estilo. Uma cena de "Damn Yankees" (55), o musical sobre jogadores de beisebol, traz uma coreografia atlética quase à moda Gene Kelly.
A clássica "Steam Heat", de "The Pajama Game" (54), robotiza os movimentos de três dançarinos. As três partes de "Rich Man's Frug", também de "Sweet Charity" (66), parecem a animação de uma série de gravuras do expressionista George Grosz.
Por fim, glória e ceticismo, desencantamento com o mundo e alegria de viver combinam-se na escolha de números do último Fosse agrupados no terceiro ato. Uma elétrica "Razzle Dazzle" recorda "Chicago" (75).
O furacão Valarie Pettiford é uma escolha equivocada para recriar o "Mein Herr", de "Cabaret" (72). Três números breves lembram o impacto do morbidamente autobiográfico "All That Jazz" (79).
Não satisfeito em encenar a própria morte, Fosse deixou coreografado o próprio luto.
Seu testamento reservou 25 mil dólares para um jantar de adeus entre aqueles que haviam sido "gentis" com ele em vida.
Fosse sempre soube que o show não pode parar.
²
O quê: Fosse - A Celebration in Song and Dance Onde: Broadhurst Theatre, 235 W 44th Street, Nova York, NY Quando: em cartaz desde 14 de janeiro Quanto: US$ 75



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