|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JAZZ
Roberts honra a memória de Duke Ellington
da Equipe de Articulistas
A última
faixa é um
bom lugar
para começar. Notas
destacadas,
frases elásticas, harmonia incomum mas natural, um novo
velho blues no piano, que vai
pouco a pouco incorporando
bateria e contrabaixo até as
exaltações retumbantes do fim
ou quase. Resta uma nota grave, solta, no seu próprio tempo,
até perder o tempo.
Marcus Roberts é um dos
mais aventurosos, imaginativos, virtuosísticos, originais e
engajados instrumentistas de
jazz da atualidade. Cinco adjetivos não é demais: seu novo
CD, "em honra de Duke Ellington", deixaria o Duke honrado,
embora surpreso também.
O começo é outro bom lugar
para começar. A bateria de Jason Marsalis (irmão de
Wynton e Branford) entra sozinha, pela porta do lado, com
obliqüidades de métrica. O
contrabaixo (Roland Guerin)
responde, com melodias de
borracha e seda. Baixo e bateria
confundem timbres e acentos.
O piano só chega depois do
diálogo avançado, com harmonias bem cortadas e pedaços
sugestivos de frase. Dali em
diante, os três meditam breques, tocando juntos como raramente se toca.
É uma experiência inusitada
ver o retrato de Duke Ellington
(1899-1974) gradualmente se
formando por trás dessas paisagens. Imagine um grande
músico de jazz: sóbrio, elegante, modesto, econômico, tranqüilo, sedutor. Imagine outro:
narcisista, bizarro, ambicioso,
gastador, exuberante, autocentrado. Que o segundo possa
traduzir o primeiro, em seus
próprios termos, que o espírito
bem conhecido de um passe
pela música estranha do outro
é algo de verdadeiramente novo, nesse domínio de tanta novidade sem novidade.
Uma novidade especial é a
presença do percussionista e
baterista Antonio Sanchez. Em
"Take a Chance", de modo particular, Sanchez e Marsalis
reinventam a idéia da bateria
como instrumento melódico,
não só rítmico. Se Jack De Johnette é, até hoje, o Mozart dos
bateristas, Sanchez e Marsalis
começam a ensinar outras lições, do lado de cá do século.
Para tocar bateria assim, é preciso, antes, não tocar bateria:
não tocar mais como se toca,
deixar para trás uma relativa
incomunicabilidade, meio bruta, de quem só escuta pulso. A
bateria canta e pensa no mesmo plano das idéias e melodias
de um piano ou contrabaixo.
Abstrações de ritmo e invenções livres de metro se casam
bem com o talento de Marcus
Roberts para abstrair fundo e
forma do homenageado. Assim como recria, no idioma
descentrado de outra geração,
os descentramentos de John
Coltrane e Thelonious Monk,
outros homenageados, mesmo
se em caráter menos explícito.
Em "Groove Until You Move", ele está à vontade o bastante para reinventar a música cubana. A faixa-título, "In Honor
of Duke", cria espaço para uma
batucada brasileira. "The
Beauty of the Spirit" vem de
melodias de igreja. Qualquer
gênero se molda aos propósitos de Roberts, e qualquer espectro pode projetar sua sombra sobre o preto-e-branco
cheio de cores desse teclado.
Quer dizer, qualquer espectro não. Roberts escolhe, com a
consciência, ou presciência, de
um músico tão forte assim, os
precursores que vai deixar falar. Nenhum poderia ser mais
apropriado do que o grande
duque, até pela incompatibilidade aparente. As aparências
não enganam; mas o incompatível é mais um elemento a favor da música inovadora e exigente de Roberts.
(AN)
Avaliação:
Disco: In Honor of Duke
Banda: Marcus Roberts Trio
Gravadora: Columbia
Quanto: R$ 45,90 (na Fnac)
Texto Anterior: Disco - Lançamentos: "A Arte da Fuga", de Bach, é limite da música Próximo Texto: Os CDs mais vendidos da semana Índice
|