São Paulo, sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Jogos do Poder"

Nichols extrai ótimas atuações e cria graça no que poderia ser só um telefilme

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O trailer de "Jogos do Poder" sugere que o novo filme de Mike Nichols seja um exercício póstumo de Guerra Fria, já que faz o elogio de Charlie Wilson, obscuro deputado que, quase sozinho, teria forçado o envolvimento dos EUA nos combates no Afeganistão e, por tabela, ajudado de maneira decisiva a transformar aquela guerra no "Vietnã dos russos". Com a diferença, nada pequena, de que ao naufrágio soviético no Afeganistão sucede a desagregação da URSS e a vitória dos EUA no conflito ideológico que tanto marcou o século passado.
Estaríamos então diante de um desses filmes que colocam em relevo a importância potencial de cada indivíduo na história. Mas bons filmes não se fundam sobre banalidades, e Mike Nichols não é nenhum bobo: ele sabe muito bem que a vitória sobre o comunismo tem algo de amargo, já que se fundou sobre uma aliança com os muçulmanos que desembocaria no 11 de Setembro e suas seqüelas.
Com isso, em vez de se limitar a um filme sobre um momento decisivo da história (o início da ajuda americana aos guerrilheiros afegãos), Nichols nos propõe um notável filme sobre o tempo. Pois ninguém ignora o que veio depois: o 11 de Setembro, a Guerra do Iraque, a substituição da Guerra Fria por um conflito menos definido, como natureza, mas de enorme ferocidade: é sobre esse intervalo que o longa sabe chamar nossa atenção.

Cinema de sutilezas
Para chegar a isso, não se vale dos recursos habituais e autoritários do cinema político. Basta, mais simplesmente, inserir certas frases aqui, certos gestos ali. A experiência das coisas, que as pessoas em grande medida partilham, faz o resto.
No mais, Nichols não se resigna a fazer um filme laudatório em torno do personagem. Justamente suas contradições fazem dele e de seus comparsas um grupo interessante.
Wilson (Tom Hanks) é um deputado inoperante, que se limita a cultivar amizades oportunas em Washington. É beberrão e mulherengo. Um bom sujeito, em suma, antes de um congressista eficiente e probo.
Ao seu lado estão uma ricaça sem-vergonha e cristã fanática, Joanne Herring (Julia Roberts), e um agente da CIA escanteado para o insignificante departamento de assuntos afegãos da agência, Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman).
A interação entre esses personagens fará, em grande medida, o encanto do filme, porque não seres inatacáveis. É à inconstância e às surpresas do mundo, à riqueza dos caráteres, que Nichols presta suas homenagens, bem mais que ao anticomunismo do trio em questão.
Partindo de um tema ingrato, Nichols sabe tornar rica e agradável uma história que poderia render só um telefilme bobo.
Ele expõe grandezas e limites de indivíduos e de nações. Dimensões que o filme atinge graças à habilidade de Nichols na direção de atores que, no caso, resultam em um Hanks como há muito não se via e em um Seymour Hoffman como se vê sempre. Roberts destoa.


JOGOS DO PODER
Produção:
EUA, 2007
Direção: Mike Nichols
Com: Tom Hanks, Julia Roberts
Onde: estréia hoje nos cines Bristol, Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: bom


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