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Crítica/"Jogos do Poder"
Nichols extrai ótimas atuações e cria graça no que poderia ser só um telefilme
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O trailer de "Jogos do
Poder" sugere que o
novo filme de Mike Nichols seja um exercício póstumo de Guerra Fria, já que faz o
elogio de Charlie Wilson, obscuro deputado que, quase sozinho, teria forçado o envolvimento dos EUA nos combates
no Afeganistão e, por tabela,
ajudado de maneira decisiva a
transformar aquela guerra no
"Vietnã dos russos". Com a diferença, nada pequena, de que
ao naufrágio soviético no Afeganistão sucede a desagregação
da URSS e a vitória dos EUA no
conflito ideológico que tanto
marcou o século passado.
Estaríamos então diante de
um desses filmes que colocam
em relevo a importância potencial de cada indivíduo na história. Mas bons filmes não se fundam sobre banalidades, e Mike
Nichols não é nenhum bobo:
ele sabe muito bem que a vitória sobre o comunismo tem algo de amargo, já que se fundou
sobre uma aliança com os muçulmanos que desembocaria no
11 de Setembro e suas seqüelas.
Com isso, em vez de se limitar a um filme sobre um momento decisivo da história (o
início da ajuda americana aos
guerrilheiros afegãos), Nichols
nos propõe um notável filme
sobre o tempo. Pois ninguém
ignora o que veio depois: o 11 de
Setembro, a Guerra do Iraque,
a substituição da Guerra Fria
por um conflito menos definido, como natureza, mas de
enorme ferocidade: é sobre esse intervalo que o longa sabe
chamar nossa atenção.
Cinema de sutilezas
Para chegar a isso, não se vale
dos recursos habituais e autoritários do cinema político. Basta, mais simplesmente, inserir
certas frases aqui, certos gestos
ali. A experiência das coisas,
que as pessoas em grande medida partilham, faz o resto.
No mais, Nichols não se resigna a fazer um filme laudatório em torno do personagem.
Justamente suas contradições
fazem dele e de seus comparsas
um grupo interessante.
Wilson (Tom Hanks) é um
deputado inoperante, que se limita a cultivar amizades oportunas em Washington. É beberrão e mulherengo. Um bom sujeito, em suma, antes de um
congressista eficiente e probo.
Ao seu lado estão uma ricaça
sem-vergonha e cristã fanática,
Joanne Herring (Julia Roberts), e um agente da CIA escanteado para o insignificante
departamento de assuntos afegãos da agência, Gust Avrakotos (Philip Seymour Hoffman).
A interação entre esses personagens fará, em grande medida, o encanto do filme, porque não seres inatacáveis. É à
inconstância e às surpresas do
mundo, à riqueza dos caráteres,
que Nichols presta suas homenagens, bem mais que ao anticomunismo do trio em questão.
Partindo de um tema ingrato,
Nichols sabe tornar rica e agradável uma história que poderia
render só um telefilme bobo.
Ele expõe grandezas e limites
de indivíduos e de nações. Dimensões que o filme atinge graças à habilidade de Nichols na
direção de atores que, no caso,
resultam em um Hanks como
há muito não se via e em um
Seymour Hoffman como se vê
sempre. Roberts destoa.
JOGOS DO PODER
Produção: EUA, 2007
Direção: Mike Nichols
Com: Tom Hanks, Julia Roberts
Onde: estréia hoje nos cines Bristol,
Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: bom
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