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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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LITERATURA

Holandeses, como Cees Nooteboom, são os destaques da 23ª edição

"Faróis do norte" iluminam Salão do Livro de Paris

BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O pavilhão de honra do 23º Salão do Livro de Paris, encerrado no último dia 26, merece o seu título: "Os Faróis do Norte". Com efeito, os convidados Holanda e Flandres desembarcaram na França trazendo grandes luzes.
Primeiramente a dos escritores neerlandeses. Hella Haasse, nascida na Batávia, porém educada em Amsterdã, autora de "Uma Ligação Perigosa", inspirado em "As Ligações Perigosas" de Chardelos de Laclos. Hugo Claus, considerado o maior escritor flamengo vivo, e cuja obra é atravessada por um sentimento de injustiça: ter nascido numa Bélgica exprimida entre vizinhos devorados pela guerra e ter ido para um pensionato religioso na infância, onde foi submetido a "uma educação católica obtusa".
Sua aversão pelas coisas da igreja é tamanha que lhe valeu três meses de prisão. À semelhança de Haasse, Claus não se limita a um único gênero literário, escreve romance, teatro, poesia. Sua obra se impôs definitivamente com a aparição de "A Tristeza dos Belgas", que recebeu o prêmio das letras neerlandesas.

O holandês viajante
Entre os faróis do norte, está Cees Nooteboom, que deu uma entrevista das mais intrigantes. Com este escritor chamado "o holandês voador" -porque hoje está em Paris e, amanhã, sem aviso prévio, em Tóquio ou noutra cidade-, o público aprendeu que a escrita precisa do nomadismo, e, para o escritor, tanto faz estar aqui ou ali porque aqui ou ali ele fica consigo mesmo, à escuta do que só assim pode ouvir.
Nooteboom é incapaz de dizer em quantos hotéis esteve e descreve o seu hotel ideal assim: "Hotel Nooteboom, 1, avenida do Paraíso, Shangri-lá, ao lado do restaurante Casa de Deus". Quando perguntam por que viaja tanto, responde citando um filósofo árabe do século 12 : "A origem da existência é o movimento".
Como Nooteboom primeiro se desloca e só depois escreve, os seus livros não se estruturam a partir de um projeto estabelecido. São o produto de uma errância que ele cultiva. Para se surpreender e surpreender o leitor. O seu caso é o de todo escritor que aceita o não saber e se deixa preceder pela experiência -confia no seu inconsciente e se deixa levar pela língua. Os livros de Nooteboom, como só podia ser, resistem ao enquadramento neste ou naquele gênero. Nem poesia nem ensaio nem diário de viagem, um mosaico dos gêneros.
Outro farol do norte era Carll Cneut, jovem artista flamengo que em poucos anos se tornou o mais importante dos ilustradores de livros para crianças. Suas mulheres dos pés pequenos ou suas bruxas de tranças são inconfundíveis e lembram Jérôme Bosch.
"Last but not least" é preciso falar do pavilhão de honra concebido por dois arquitetos de Amsterdã, Kossman e De Jong. À diferença dos anteriores, este mostrava os livros numa grande espiral evocativa do museu Guggenheim. Uma espiral azul, que era um convite a viajar passando pelas obras, examinando a capa ou batendo os olhos no texto. Cada livro no alto de uma base de ferro, apresentado como objeto único? Exatamente como o quadro.
O pavilhão dos neerlandeses era a imagem da literatura, que é sinônimo de errância. Parecia estar ali para contrariar a idéia de pilha, tão cara ao mercado, e sustentar a importância da qualidade literária e do grande autor. Poderá servir para inspirar o estande do Brasil nos salões que serão organizados pelo Instituto do Livro, cujo diretor sabe mais do que ninguém o quanto a literatura requer cuidados especiais. Porque Waly Salomão é poeta e vê no livro "um objeto de libertação".


Betty Milan é escritora e psicanalista, autora de "O Papagaio e o Doutor" e "A Paixão de Lia", entre outros


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