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LITERATURA
Holandeses, como Cees Nooteboom, são os destaques da 23ª edição
"Faróis do norte" iluminam Salão do Livro de Paris
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
O pavilhão de honra do 23º Salão do Livro de Paris, encerrado
no último dia 26, merece o seu título: "Os Faróis do Norte". Com
efeito, os convidados Holanda e
Flandres desembarcaram na
França trazendo grandes luzes.
Primeiramente a dos escritores
neerlandeses. Hella Haasse, nascida na Batávia, porém educada em
Amsterdã, autora de "Uma Ligação Perigosa", inspirado em "As
Ligações Perigosas" de Chardelos
de Laclos. Hugo Claus, considerado o maior escritor flamengo vivo, e cuja obra é atravessada por
um sentimento de injustiça: ter
nascido numa Bélgica exprimida
entre vizinhos devorados pela
guerra e ter ido para um pensionato religioso na infância, onde
foi submetido a "uma educação
católica obtusa".
Sua aversão pelas coisas da igreja é tamanha que lhe valeu três
meses de prisão. À semelhança de
Haasse, Claus não se limita a um
único gênero literário, escreve romance, teatro, poesia. Sua obra se
impôs definitivamente com a
aparição de "A Tristeza dos Belgas", que recebeu o prêmio das letras neerlandesas.
O holandês viajante
Entre os faróis do norte, está
Cees Nooteboom, que deu uma
entrevista das mais intrigantes.
Com este escritor chamado "o holandês voador" -porque hoje está em Paris e, amanhã, sem aviso
prévio, em Tóquio ou noutra cidade-, o público aprendeu que a
escrita precisa do nomadismo, e,
para o escritor, tanto faz estar
aqui ou ali porque aqui ou ali ele
fica consigo mesmo, à escuta do
que só assim pode ouvir.
Nooteboom é incapaz de dizer
em quantos hotéis esteve e descreve o seu hotel ideal assim: "Hotel Nooteboom, 1, avenida do Paraíso, Shangri-lá, ao lado do restaurante Casa de Deus". Quando
perguntam por que viaja tanto,
responde citando um filósofo árabe do século 12 : "A origem da
existência é o movimento".
Como Nooteboom primeiro se
desloca e só depois escreve, os
seus livros não se estruturam a
partir de um projeto estabelecido.
São o produto de uma errância
que ele cultiva. Para se surpreender e surpreender o leitor. O seu
caso é o de todo escritor que aceita
o não saber e se deixa preceder
pela experiência -confia no seu
inconsciente e se deixa levar pela
língua. Os livros de Nooteboom,
como só podia ser, resistem ao
enquadramento neste ou naquele
gênero. Nem poesia nem ensaio
nem diário de viagem, um mosaico dos gêneros.
Outro farol do norte era Carll
Cneut, jovem artista flamengo
que em poucos anos se tornou o
mais importante dos ilustradores
de livros para crianças. Suas mulheres dos pés pequenos ou suas
bruxas de tranças são inconfundíveis e lembram Jérôme Bosch.
"Last but not least" é preciso falar do pavilhão de honra concebido por dois arquitetos de Amsterdã, Kossman e De Jong. À diferença dos anteriores, este mostrava
os livros numa grande espiral
evocativa do museu Guggenheim.
Uma espiral azul, que era um convite a viajar passando pelas obras,
examinando a capa ou batendo os
olhos no texto. Cada livro no alto
de uma base de ferro, apresentado
como objeto único? Exatamente
como o quadro.
O pavilhão dos neerlandeses era
a imagem da literatura, que é sinônimo de errância. Parecia estar
ali para contrariar a idéia de pilha,
tão cara ao mercado, e sustentar a
importância da qualidade literária e do grande autor. Poderá servir para inspirar o estande do Brasil nos salões que serão organizados pelo Instituto do Livro, cujo
diretor sabe mais do que ninguém
o quanto a literatura requer cuidados especiais. Porque Waly Salomão é poeta e vê no livro "um
objeto de libertação".
Betty Milan é escritora e psicanalista,
autora de "O Papagaio e o Doutor" e "A
Paixão de Lia", entre outros
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