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ÓPERA/CRÍTICA
As novas descobertas de "Colombo"
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Há várias ironias involuntárias na ópera "Colombo "
de Carlos Gomes (1836-1896); e
outras tantas, voluntárias, na
montagem que estreou sexta-feira no Municipal, regida por Roberto Duarte e dirigida por William Pereira. A maior de todas é
uma grande virtude: faz de uma
obra menor, cheia de ambições
frustradas, a ocasião para um espetáculo arrojado e apurado, que
reinventa a música sob o domínio
do teatro.
Além de voluntárias e involuntárias, existem as ironias explícitas. A começar pelo começo, antes
ainda do primeiro acorde, com os
cantores-atores escolhendo figurinos nas araras e o barítono Sebastião Teixeira no papel não de
Cristóvão Colombo, mas de Sebastião Teixeira mesmo, carregando um holofote e procurando
um foco, até acertar na imagem
em alto relevo do próprio Carlos
Gomes, no teto.
Dali para a frente, William Pereira tinha assegurado seu direito
de escrever roteiros alternativos,
em contraponto com o não-roteiro original de Albino Falanca. Visualmente, o resultado é discreta e
extravagantemente expressivo.
Transfere os ideais gastos da epopéia descobrimentista ("Colombo" foi escrita para comemorar os
400 anos da descoberta da América) para um outro mundo, onde
se cruzam lembranças de gênios
da cena como o cineasta Peter
Greenaway com artes mais convencionais da ópera e reescrituras
politicamente afinadas .
Véus e telões servem de filtro e
suporte para imagens de cinema
(ondas do mar em câmera lenta) e
projeções de textos, mapas, partituras. A involuntária atualização
do grito do Rei da Espanha
-"Guerra ao Islã!"- segue-se à
projeção sugestiva de fogos, fazendo pensar na Inquisição: a
barbárie vem de todos os lados. E
a dedicatória, "To the American
People" (o "poema vocal-sinfônico" foi composto com vistas a
uma exposição em Chicago), ganha outro acento, depois que um
texto rola no fundo, narrando a
derrocada de Colombo, que defendeu indígenas de maus-tratos
e caiu em desgraça com a realeza.
Etc. etc.: são dezenas e dezenas de
detalhes assim.
Sebastião Teixeira faz um Colombo forte e seguro, mas relativamente neutro, o que só pode ser
bom nesse contexto. Não há propriamente um personagem, com
mudanças e crises; tanto melhor
que não se force a mão do drama.
Vale o mesmo para os ótimos Rei
(Marcello Vanucci) e Rainha
(Monica Marangon Martins) e
para o Frade (Sávio Sperandi).
"Colombo" não é lugar par a exercitar loucuras e carismas; de resto,
a imaginação visual -incluindo
os figurinos- já cumpre compensatoriamente essa função.
Que Carlos Gomes tenha escrito
uma de suas obras mais ousadas
tematizando a descoberta de um
Novo Mundo, mas dando as costas para o novo mundo da música, é uma história conhecida. Não
haveria por que fantasiar a partitura de modernidades, e o maestro Roberto Duarte conduziu as
coisas com vigor natural.
O espetacular hino foi espetacularmente cantado pelo Coral Lírico, que também fez bem o papel
de marinheiros-de-ópera (limpinhos, educados) e cortesãos (catolicamente elegantes, em branco-e-preto). Balé escolar, mas até
isso funciona no meio da alegoria.
Só é pena que tanto esforço se
consuma em três apresentações.
Quem sabe o Municipal não começa a pensar em DVDs?
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