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CRÍTICA
Bill Condon lança luz sobre revolucionário do sexo
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Na primeira cena de "Kinsey
- Vamos Falar de Sexo", vemos o ensaio de uma entrevista. A
câmera fixa mostra um homem
formal, de gravata-borboleta, que
responde a um questionário.
Ao mesmo tempo em que responde às perguntas, ele orienta
seu entrevistador: é preciso escutar o interlocutor, observar os sinais que envia com o corpo, conquistar sua confiança.
A certa altura, ele repreende o
gesto sutil que o próprio entrevistador deixou escapar inconscientemente, em sinal de desconforto
com a resposta que ouviu. Antes
de qualquer coisa, é preciso não
julgar.
Com este começo brilhante, o
diretor e roteirista Bill Condon
apresenta seu protagonista, o professor Alfred Kinsey (Liam Neeson), fazendo-se valer de seu próprio "método". As respostas dadas por ele são também as primeiras pistas dos elementos biográficos que serão importantes para a
compreensão da história, retomados com detalhes mais adiante.
Condon (que estreou na direção
em 1998 com "Deuses e Monstros", sobre o cineasta James
Whale) consegue, assim, um ponto de partida original, que já distancia seu trabalho da vala comum das cinebiografias recentemente exibidas no cinema.
É verdade que a originalidade
não se sustenta ao longo de toda a
projeção, mas, ainda assim, Condon trabalha sempre com elementos não banais dentro do escopo de seu projeto: uma obra de
pretensão "mainstream" sobre
um pesquisador revolucionário
do comportamento sexual.
Isso num tempo em que
"mainstream" é sinônimo de filme-para-toda-a-família e qualquer espécie de representação do
sexo é considerada mais perigosa
do que a representação da violência, por exemplo.
É nesse contexto que "Kinsey"
se faz um filme especial. Condon
lança luz mais do que oportuna
sobre uma figura interessantíssima, o professor que realizou a primeira grande pesquisa sobre sexo
nos Estados Unidos e lançou, em
janeiro de 1948, "O Comportamento Sexual do Homem".
Considerado uma "bomba atômica" pela imprensa da época, o
livro sacudiu a América do Norte
e chegou ao topo dos mais vendidos, mas, alguns anos depois,
quando lançou o volume equivalente à sua pesquisa sobre o comportamento sexual feminino, já
nos mais puritanos anos 50, Kinsey foi perseguido e condenado
ao ostracismo.
Hoje, na América neopuritana
de George W. Bush, o filme sobre
sua vida teve um destino semelhante, condenado a certo ostracismo: a polêmica que gerou foi
infértil e nada aconteceu na temporada de prêmios do fim do ano
passado. Um triste sinal de que
muitas das idéias mais interessantes de Kinsey -como a de que a
humanidade não está dividida em
heterossexuais e homossexuais,
mas que há toda uma escala gradativa entre uma e outra orientação (ou seja, a maior parte da humanidade tem ou poderia ter experiências bissexuais)- estão
virtualmente abandonadas.
Determinismo biológico
Tomando partido de seu biografado e apontando críticas
quando julga necessário, Bill Condon defende que Alfred Kinsey,
mesmo quando equivocado, pensou o sexo de forma instigante,
pavimentando o caminho para a
revolução comportamental dos
anos 60.
Com um olhar quase exclusivamente biológico (que, para seus
críticos, subestimou o próprio desejo), ele teria desenvolvido uma
filosofia da ciência que levava em
conta a singularidade e a diferença de cada experiência humana.
Isso, aplicado ao sexo, destrói preconceitos e moralismos preestabelecidos. Em seus momentos
mais interessantes -que não são
poucos-, "Kinsey - Vamos Falar
de Sexo" é fiel ao estilo de seu biografado: franco, inquisitivo e sem
julgamentos.
Kinsey - Vamos Falar de Sexo
Kinsey
Direção: Bill Condon
Produção: EUA, 2004
Com: Liam Neeson, Laura Linney
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Espaço Unibanco, Pátio
Higienópolis e circuito
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