São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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CRÍTICA

Bill Condon lança luz sobre revolucionário do sexo

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Na primeira cena de "Kinsey - Vamos Falar de Sexo", vemos o ensaio de uma entrevista. A câmera fixa mostra um homem formal, de gravata-borboleta, que responde a um questionário.
Ao mesmo tempo em que responde às perguntas, ele orienta seu entrevistador: é preciso escutar o interlocutor, observar os sinais que envia com o corpo, conquistar sua confiança.
A certa altura, ele repreende o gesto sutil que o próprio entrevistador deixou escapar inconscientemente, em sinal de desconforto com a resposta que ouviu. Antes de qualquer coisa, é preciso não julgar.
Com este começo brilhante, o diretor e roteirista Bill Condon apresenta seu protagonista, o professor Alfred Kinsey (Liam Neeson), fazendo-se valer de seu próprio "método". As respostas dadas por ele são também as primeiras pistas dos elementos biográficos que serão importantes para a compreensão da história, retomados com detalhes mais adiante.
Condon (que estreou na direção em 1998 com "Deuses e Monstros", sobre o cineasta James Whale) consegue, assim, um ponto de partida original, que já distancia seu trabalho da vala comum das cinebiografias recentemente exibidas no cinema.
É verdade que a originalidade não se sustenta ao longo de toda a projeção, mas, ainda assim, Condon trabalha sempre com elementos não banais dentro do escopo de seu projeto: uma obra de pretensão "mainstream" sobre um pesquisador revolucionário do comportamento sexual.
Isso num tempo em que "mainstream" é sinônimo de filme-para-toda-a-família e qualquer espécie de representação do sexo é considerada mais perigosa do que a representação da violência, por exemplo.
É nesse contexto que "Kinsey" se faz um filme especial. Condon lança luz mais do que oportuna sobre uma figura interessantíssima, o professor que realizou a primeira grande pesquisa sobre sexo nos Estados Unidos e lançou, em janeiro de 1948, "O Comportamento Sexual do Homem".
Considerado uma "bomba atômica" pela imprensa da época, o livro sacudiu a América do Norte e chegou ao topo dos mais vendidos, mas, alguns anos depois, quando lançou o volume equivalente à sua pesquisa sobre o comportamento sexual feminino, já nos mais puritanos anos 50, Kinsey foi perseguido e condenado ao ostracismo.
Hoje, na América neopuritana de George W. Bush, o filme sobre sua vida teve um destino semelhante, condenado a certo ostracismo: a polêmica que gerou foi infértil e nada aconteceu na temporada de prêmios do fim do ano passado. Um triste sinal de que muitas das idéias mais interessantes de Kinsey -como a de que a humanidade não está dividida em heterossexuais e homossexuais, mas que há toda uma escala gradativa entre uma e outra orientação (ou seja, a maior parte da humanidade tem ou poderia ter experiências bissexuais)- estão virtualmente abandonadas.

Determinismo biológico
Tomando partido de seu biografado e apontando críticas quando julga necessário, Bill Condon defende que Alfred Kinsey, mesmo quando equivocado, pensou o sexo de forma instigante, pavimentando o caminho para a revolução comportamental dos anos 60.
Com um olhar quase exclusivamente biológico (que, para seus críticos, subestimou o próprio desejo), ele teria desenvolvido uma filosofia da ciência que levava em conta a singularidade e a diferença de cada experiência humana. Isso, aplicado ao sexo, destrói preconceitos e moralismos preestabelecidos. Em seus momentos mais interessantes -que não são poucos-, "Kinsey - Vamos Falar de Sexo" é fiel ao estilo de seu biografado: franco, inquisitivo e sem julgamentos.


Kinsey - Vamos Falar de Sexo
Kinsey
   
Direção: Bill Condon
Produção: EUA, 2004
Com: Liam Neeson, Laura Linney
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Espaço Unibanco, Pátio Higienópolis e circuito


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