São Paulo, Quinta-feira, 29 de Abril de 1999
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CRÍTICA
Produção narra embate entre corpo e espírito

da Equipe de Articulistas

O sentido de "Um Copo de Cólera", o filme, pode talvez ser resumido num verso de Manuel Bandeira: "Porque os corpos se entendem, mas as almas não".
Durante pouco mais de uma hora (o filme é curto), vemos um casal que mergulha com a mesma radicalidade no intercurso físico e no embate verbal, fazendo o percurso de ida e volta entre a matéria mais crua e as idéias mais abstratas.
Como na leitura do livro de Raduan Nassar, a sensação resultante é a da vertigem.
Mais que um "tour de force" narrativo, rodado quase todo com câmera na mão, em poucos ambientes e com praticamente apenas dois atores, o filme é um ato de ousadia, e em vários sentidos.
Primeiro, por encenar o sexo sem o amparo da estética publicitária e hipócrita que geralmente o esteriliza e emascula. Segundo, por assumir o risco de manter intacto o texto do livro, que é ostensivamente literário e artificial e portanto se presta pouco, em princípio, à vocação naturalista do cinema. (A crítica mais pobre que se fará ao filme será tachá-lo de "teatral", tendo como parâmetro oculto o verismo hollywoodiano).
A terceira ousadia é a de desafiar frontalmente certas convenções do cinema narrativo industrial. O caso mais ostensivo é o dos monólogos interiores do protagonista masculino, que são ditos no filme diretamente para a câmera pelo ator Alexandre Borges.
Mas há também a questão do ritmo e do som. Diferentemente do balanço diálogos-silêncio-música a que nos habituamos no cinema industrial, em "Um Copo de Cólera" há uma longa sequência silenciosa, seguida de uma verborragia desenfreada.
Mas a grande virtude do filme, do ponto de vista da expressão, talvez seja a habilidade com que o diretor soube extrair dramaticidade e vida do contraste entre a artificialidade do texto e a visceralidade com que ele é dito.
Mais que isso: tirou faísca do choque entre os torneios verbais, que apontam para a abstração, e as pulsões físicas, que os arremessam de volta ao corpo e à terra.
Como notou a psicanalista Maria Rita Kehl no debate que se seguiu a uma projeção do filme, importa menos o que os personagens dizem do que o jogo erótico que essa discussão esconde (e revela). Querendo exibir o espírito, o homem expõe seu corpo. (JGC)


Avaliação:


Filme: Um Copo de Cólera Direção: Aluizio Abranches Com: Julia Lemmertz, Alexandre Borges Quando: estréia amanhã


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