|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Produção narra embate entre corpo e espírito
da Equipe de Articulistas
O sentido de "Um Copo de Cólera", o filme, pode talvez ser resumido num verso de Manuel Bandeira: "Porque os corpos se entendem, mas as almas não".
Durante pouco mais de uma hora (o filme é curto), vemos um casal que mergulha com a mesma radicalidade no intercurso físico e no
embate verbal, fazendo o percurso
de ida e volta entre a matéria mais
crua e as idéias mais abstratas.
Como na leitura do livro de Raduan Nassar, a sensação resultante
é a da vertigem.
Mais que um "tour de force" narrativo, rodado quase todo com câmera na mão, em poucos ambientes e com praticamente apenas
dois atores, o filme é um ato de ousadia, e em vários sentidos.
Primeiro, por encenar o sexo
sem o amparo da estética publicitária e hipócrita que geralmente o
esteriliza e emascula. Segundo, por
assumir o risco de manter intacto o
texto do livro, que é ostensivamente literário e artificial e portanto se
presta pouco, em princípio, à vocação naturalista do cinema. (A
crítica mais pobre que se fará ao
filme será tachá-lo de "teatral",
tendo como parâmetro oculto o
verismo hollywoodiano).
A terceira ousadia é a de desafiar
frontalmente certas convenções
do cinema narrativo industrial. O
caso mais ostensivo é o dos monólogos interiores do protagonista
masculino, que são ditos no filme
diretamente para a câmera pelo
ator Alexandre Borges.
Mas há também a questão do ritmo e do som. Diferentemente do
balanço diálogos-silêncio-música
a que nos habituamos no cinema
industrial, em "Um Copo de Cólera" há uma longa sequência silenciosa, seguida de uma verborragia
desenfreada.
Mas a grande virtude do filme,
do ponto de vista da expressão, talvez seja a habilidade com que o diretor soube extrair dramaticidade
e vida do contraste entre a artificialidade do texto e a visceralidade
com que ele é dito.
Mais que isso: tirou faísca do
choque entre os torneios verbais,
que apontam para a abstração, e as
pulsões físicas, que os arremessam
de volta ao corpo e à terra.
Como notou a psicanalista Maria
Rita Kehl no debate que se seguiu a
uma projeção do filme, importa
menos o que os personagens dizem do que o jogo erótico que essa
discussão esconde (e revela). Querendo exibir o espírito, o homem
expõe seu corpo.
(JGC)
Avaliação:
Filme: Um Copo de Cólera
Direção: Aluizio Abranches
Com: Julia Lemmertz, Alexandre Borges
Quando: estréia amanhã
Texto Anterior: Macho Próximo Texto: Joyce Pascowitch Índice
|