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ARNALDO JABOR
As patrulhas ideológicas paralisam o país
"Ideologia ... preciso de
uma para viver!", cantou o
grande Cazuza. Um dos problemas brasileiros de hoje é que o
mundo ficou muito complicado
para caber em duas ou três categorias. Direita, esquerda, centro.
Muito pouco. Na verdade, há tantas ideologias quanto há neuroses, todas lutando para caber nas
categorias principais. "De esquerda" todo mundo quer ser, porque
a palavra guarda uma conotação
com a idéia de "amor" ao povo,
da solidariedade. "Direita" é o
nome dos malvados, dos egoístas.
"De centro" seria o pensamento
banho-maria, "in medio virtus",
nem tanto ao mar nem tanto à
terra.
A perplexidade geral diante da
crise brasileira está nos exibindo
uma "féerie", um show de mil
ideologias que se digladiam e se
anulam, mantendo o país parado, exposto a uma eterna dependência, incapaz de traçar uma linha de ação prática e original.
Façamos então um teste ideológico com o querido leitor, meu semelhante e irmão. Descubra em
que grupo de risco político você
está.
Neoliberais radicais - Acham
que o país é uma teia de números
e estatísticas de um transcendental ajuste fiscal que nos levará ao
paraíso do FMI. São obedientes às
regras do Fundo e esquecem que
tem gente morando aqui dentro.
Dá em apagão.
Amantes do impossível - O contrário do grupo anterior. Odeiam
a administração e limites concretos. Odeiam o mundo real. Usam
as utopias como calmante da
consciência.
Militantes imaginários -
Acham que estão fazendo a revolução, sem mover uma palha, de
pijama em casa, rezando as jaculatórias que aprenderam no cursinho básico do Partidão, 50 anos
atrás.
Narcisistas do fracasso - Acham
que todos estão errados, todos
não prestam. Menos eles, puros e
privilegiados espectadores da história.
Otimistas irresponsáveis - É a
doença infantil dos tucanos.
Acreditam no "processo" e nada
fazem para conduzi-lo. "A gente
vai empurrando com a barriga a
crise da energia, que acaba chovendo."...
Autoritarismo salvacionista-voluntarista - "Se eu for presidente, boto pra quebrar. Não tem
Congresso não tem nada...". Já
deu em Collor.
A ideologia da Pedra da Gávea
- Os adeptos desta corrente não
mudam um milímetro de suas
convicções. Acham a realidade
volúvel e reacionária, com sua
mania de nos surpreender com
mudanças e reviravoltas.
A ideologia das "saudades do
matão" - São os regressistas.
"Ah... como era verde meu vale...
ah... como tudo era simples... ah...
que saudades das certezas e das
ilusões..."
Os industriais da seca do espírito - Cultivam o povo como relíquias medievais. "Ah... como é bela e fecunda a miséria... como ela
cria uma sagrada ignorância e
uma arte tosca e emocionante...".
Os adoradores da derrota -
"Ah... como é belo o fracasso... O
esquartejamento, a força, a cruz
nos mostram que os heróis e mártires estavam certos." A derrota é
sagrada, a vitória é burguesa,
imoral.
Populismo "Jeca Tatu" ou "neo-galinhas verdes" - Itamar vem aí.
Anauê!
A copro-ideologia ou os "papa-bostas" - Acham que só uma
grande tempestade de merda salva o país... Depois do excremento,
virá a bonança. Gostam do
"quanto pior, melhor" a catástrofe purificadora.
Os intelectuais horrorizados -
Têm nojo do mundo real. Olham
muito o infinito e acham que o
simples desgosto com o rumo das
coisas lhes dá uma superioridade
moral. Sonham com um outro
Brasil, que está além do horizonte. Assistem caladinhos à sordidez
nacional. Não se metem nessas
coisas sujas da política.
Os cientistas niilistas - Têm a
crítica perfeita do sistema e também a solução, desde que a correlação de forças, as "condições objetivas" do mundo mudassem.
Como não mudam, não há solução, que ele lamenta, do alto de
seus tristes compêndios, em casa,
de cardigan e uísque.
Os acadêmicos do rancor - Sabem tudo e não fazem nada. Ressentidos, sentem-se vítimas de um
mundo mau, que transformou
sua vida acadêmica em apostilas
sem utilidade. Patrulham os que
partem para alguma ação concreta e possível.
Os bolchevistas udenistas - Um
tipo novo que mistura moralismo
pequeno-burguês com golpismo.
Mix de Carlos Lacerda com Prestes. Muito ativos hoje em dia.
Os donos da miséria - Proprietários do sofrimento alheio. Consideram a tragédia dos excluídos
como um problema existencial
deles. Lamentam-na e sentem-se
bons.
Os ignorantes iluminados - Proclamam sua ignorância como
uma forma superior de sensibilidade. Costumam escrever: "Não
sei não... mas acho que..." Outro
dia, um deles escreveu que "seu
pâncreas intuía que...". Pensam
com o fígado ou com os intestinos.
Têm muito ibope. Burrice agrada.
Os simplistas profundos - Só o
óbvio, o esquemático, o aparente
importam. Complexidade é coisa
de reacionário ou de veado.
Os nostálgicos da porrada - Tipo de masoquista que se orgulha
da cacetada que levou em 68 e
morre de saudades de uma ditadura que os absolva e justifique.
Os fracassados revolucionários -
É um tipo que acha que é fracassado porque é "de esquerda". Não
lhe ocorre que seja "de esquerda"
porque é fracassado.
As vítimas da grande conspiração - A vida é um conto-do-vigário em que caímos todos. São o
contrário dos beckettianos, dos
niilistas, dos deprimidos. Para
eles, tudo tem sentido. Quanto
mais óbvia uma realidade, mais
perigosa. Tudo que parece, não é.
Tudo é uma grande conspiração.
Os patrulheiros ideológicos -
Descobertos por Carlos Diegues,
há 25 anos. São os precursores dos
sabotadores sem programa de hoje. Continuam trabalhando, com
seus dedos duros cheios de luz.
Em que tipo você se enquadra?
Todas essas figuras ficam inquietas diante da liberdade. Democracia lhes aumenta a paranóia.
E com esta apoteose de utopias,
tudo que é técnico, administrativo, urgente é esquecido, subestimado, para alegria dos fisiológicos, corruptos e dos especuladores
internacionais. E, assim, lá vai o
Brasil descendo a ladeira.
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