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Brevíssima história sócio-política do Rio
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
No início do século 20, o Rio
de Janeiro permanecia praticamente o mesmo dos últimos
tempos do Império. A República mal completara sua primeira década, e, na austeridade
dos regimes que decidem instaurar uma nova era, quase
nada ou nada se fazia pela cidade, ex-capital de um reino,
ex-capital do império e -sempre- uma aldeia de feição
ainda colonial, mesquinha, suja.
Tirante os primeiros momentos da vinda da corte de dom
João 6º, quando alguma coisa
foi feita para tornar a cidade
mais habitável, o Rio só progredia espasmodicamente, sem
planejamento nem verbas.
Com o advento da república,
as prioridades seriam outras,
de ordem institucional e (à falta de palavra melhor) moral.
Os visitantes que aqui chegavam ficavam duplamente espantados: com a beleza da natureza, montanha e mar formando um conjunto que não
encontra igual em nenhuma
outra parte do mundo; e com a
sujeira, a falta de higiene, de
conforto, às vezes, daquele mínimo de decência urbana.
Estava longe, ainda, a administração de Pereira Passos, o
prefeito que, no governo de
Rodrigues Alves, transformaria o Rio numa metrópole moderna. Longe também estavam
os tempos de Osvaldo Cruz,
que sanearia a cidade de febres, vergonhosas já para o estágio de civilização que a humanidade atingira. O depoimento dos estudiosos da história carioca é constrangedor.
Como sempre acontece em
ambientes assim, havia uma
casta de "marginais para cima" -ou seja, de ex-fidalgos e
aristocratas que viviam literalmente à margem dessa pobreza que já era miséria em
muitos sentidos. Remanescentes da nobreza imperial, enriquecida pelos privilégios provenientes do poder em São
Cristóvão, senhores do café e
dos engenhos-de-açúcar para
os quais o Rio continuava sendo a corte, embora a república,
numa de suas providências
iniciais, a tivesse rebaixado
para o feio nome de "Capital
Federal".
Nessa capital federal funcionava a cúpula da administração republicana. Uma nova
classe sobrepunha-se à antiga,
de feição feudal: surgia o funcionário, novos hábitos deslocavam o eixo social, São Cristóvão deixava de ser bairro
nobre, a nascente burguesia
descobria o litoral e o botafogano (morador de Botafogo)
ocupou o vértice da pirâmide
urbana.
Bem verdade que, no seu
centro propriamente dito, o
Rio continuava com a rua do
Ouvidor, empoeirada, mas esforçada em sua tentativa de
ser civilizada. Foi da sacada de
um de seus prédios que um jornalista da "Gazeta de Notícias" bradou para as elegantes
que por ali desfilavam: "O Rio
civiliza-se!".
O clima geral, tanto da cidade como de seus moradores,
era o de tentar o máximo: ser
uma réplica de capital européia, principalmente de Paris.
Da mesma forma que a classe
política procurava em vão copiar os padrões liberais dos
norte-americanos, o resto da
sociedade procurava copiar os
padrões da moda e do estilo de
vida parisienses.
No terreno das artes, não tínhamos um Eça de Queiroz
que nos declarasse "um choldra" -pecado que os lisboetas
até hoje não lhe perdoam. Tínhamos, é certo, mais e melhor, com Machado de Assis,
um mulato pobre, nascido
num morro que, à época, nem
tinha direito ao nome de "favela". Herança de sua miséria
inicial, Machado de Asis recusou-se a pintar a realidade física que o rodeava, não nos deixou paisagens nem costumes,
interiorizou-se e -ao que
consta- justamente por não
pretender imitar ninguém, tornou-se o único escritor brasileiro de estatura universal.
Na música, a corte vinda
com dom João 6º nos trouxe alguns profissionais que nem
eram autênticos: copiavam os
autores da corte de Viena.
Mesmo assim, tivemos outro
mulato de gênio, que explodiu
todas as chamadas "normas" e
deixou-nos um apreciável legado de obras realmente nossas. O caso do padre José Maurício repetira-se, com mais vigor e genialidade, em outro
mulato, o mineiro Aleijadinho.
Foram expressões isoladas
da nascente cultura nacional.
Predominava, nas artes como
em tudo o mais, o excelente recurso de copiar o que parecia
estar dando certo na Europa.
Na pintura, alguns mestres de
incontestável valor, como Pedro Américo, compunham seus
enormes painéis à David. A
mania -como a confusão machadiana- era geral.
Da corte de dom João 6º ao
governo de JK, que transferiu a
capital da República para o
planalto, o Rio pagou um preço altíssimo por ser uma corte,
no início, de uma casta de nobres europeus que fugiam de
Napoleão, mais tarde, de uma
casta de políticos federais que
aqui vinham com suas famílias, a oficial e a bastarda, gozar a tal civilização anunciada
pela "Gazeta de Notícias".
O carioca ficou aliviado com
a mudança da capital. Mas
por pouquíssimo tempo. Sendo
um povo tradicionalmente do
contra, sempre fez oposição
aos governos federais. Daí que
o regime autoritário dos militares extinguiu o vigoroso Estado da Guanabara, anexando-o ao fatigado Estado do
Rio.
Tudo se complicou em termos de cidade e de Estado. Ficou somente a obstinação de
ser contra a corrente: as últimas pesquisas eleitorais mostram que fluminenses e cariocas são os que mais rejeitam o
governo neoliberal e globalizado de FHC.
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